A maior virtude
advinda do pensamento cartesiano incorporada pela ciência moderna foi a
libertação de afirmações dogmáticas por meio do questionamento constante. René
Descartes, assim como outros pensadores de sua época, quebrou paradigmas que
possibilitaram uma revolução do conhecimento denominada de Iluminismo, período
que metaforicamente trouxe luz a humanidade. A partir de então toda teoria deve
obedecer a critérios metodológicos para que seja considerada científica e deve
estar sempre aberta a discussão e admissão de sua própria falibilidade. Dessa
forma, admite-se que a verdade é provisória, o conhecimento, incessante e
nenhuma teoria é tão certeira que não possa ser confrontada. A ciência torna-se
luz por seu caráter autocrítico, mas o direito de contestá-la acompanha o dever
de informar-se sobre ela, obedecendo a um método racional e mantendo coerência
com a realidade.
Todavia, no que se
refere ao momento enfrentado atualmente, é observado outro tipo de confronto ao
pensamento científico. Cresce em todo o mundo uma onda denominada por alguns
estudiosos contemporâneos como “Novo Obscurantismo”, justificado pela
dificuldade comum de diferenciar fato de opinião. A expressão em si, assim como
o movimento, é paradoxal. Nos tempos em que a ciência alcança seu ápice de
descobertas, a população caminha cada vez mais rumo a ignorância. Exemplo disso
é a ascensão de correntes terraplanistas, as quais desconsideram as leis da
gravidade sem apresentar argumentos suficientes para refutá-las. Analisando tal
cenário sob a perspectiva baconiana, percebe-se a aplicação de sua Teoria dos
Ídolos na realidade, a qual sugere que o homem é influenciado por falsas
percepções que o impedem de enxergar o mundo como ele realmente é,
distanciando-se da razão.
Restringindo-se a realidade
brasileira, é notório que, desde as eleições de 2018, a política deixa de atuar
como ciência para tornar-se um ídolo. Parte significativa da população, adota
as falas do governante eleito como dogmas, mostrando-se incapaz de exercitar
sua capacidade crítica e polarizando discussões de variados assuntos. No
contexto pandêmico em que se encontra o cenário atual, o fenômeno aplicou-se
nas divergências de opinião acerca das medidas adotadas no combate ao novo
vírus. Devido ao pouco conhecimento acerca do Sars-Cov-2, vírus causador da
pandemia, é unanimidade entre a comunidade cientifica a recomendação pelo
isolamento social, sendo essa a única alternativa para atenuar o contágio e
consequentemente as mortes causadas pelo coronavírus. É trivial que tal medida
implica em sérias consequências nos cenários econômico e social, dessa forma, a
excepcionalidade da situação exige da junta governamental medidas igualmente
excepcionais de auxílio a população. Ao contrário, o presidente da república
Jair Messias Bolsonaro desrespeita e pronuncia contra medidas preventivas
recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, valendo-se de argumentos
desprovidos de fundamentação concreta. Uma vez manifestado seu posicionamento,
parte de seus eleitores o adotam como correto dogmaticamente.
O cenário da
pandemia, naturalmente crítico, encontra agora uma nova complicação. Enquanto é
necessária a responsabilidade administrativa da presidência para atenuar os
inevitáveis danos, Bolsonaro mostra-se, na verdade, outro obstáculo a ser
superado. O Presidente desconsidera a gravidade da questão, ignorando a
possibilidade de colapso no sistema de saúde e atribui teor ideológico à luta
contra o Covid-19. Além de exonerar o Ministro da Saúde, Luís Henrique
Mandetta, por atuar de acordo com as recomendações da comunidade científica e
da OMS, utilizou-se de pronunciamentos oficiais para provocar governadores que
atuam em desacordo a sua opinião. Tal postura deu margem à realização manifestações por
seus eleitores, nas quais pedia-se pelo fim da quarentena e, em alguns casos,
pela volta do AI-5. Tais movimentos além de contribuírem para a difusão do vírus, revela o quão alienada está a sociedade acerca da importância da manutenção das instituições democráticas.
Assim, conclui-se que a própria ciência assegura o direito de critica-la, já que o questionamento é inerente ao conhecimento. No entanto, consoante ao professor Pedro Demo "toda critica só é critica se for antes autocritica" e, pelo contrário, as teorias pseudocientíficas anteriormente citadas desconsideram as inúmeras falhas identificadas em seus discursos, que são tomados por seus adeptos como "verdades absolutas".
Ana Vitória Castro - 1º ano - Noturno
Nenhum comentário:
Postar um comentário