Durante
a Santa Inquisição, no período medieval, a Igreja Católica condenava qualquer
ideia contrária à sua verdade absoluta, inclusive- e, principalmente- a ciência.
É indubitável o desenvolvimento científico realizado até a modernidade, como
aprimoramento da medicina e descobertas astrológicas e físicas. Porém, o
panorama medieval de contesta mento à ciência permanece até os dias atuais. O
contestar evidencia-se a partir de vários movimentos negacionistas do século
XXI, como o terraplanismo, movimentos anti-vacina e negação da existência do
aquecimento global. Nesse contexto, percebe-se que a crise mundial vivenciada
na contemporaneidade, com a insurgência do covid-19, deixa de ser somente
humanitária, assumindo também um caráter
político-social, quando vários países deixaram de seguir os protocolos,
baseados em evidências científicas, exigidos pela OMS (Organização Mundial da
Saúde), ocasionando consequências nefastas à população. Sendo assim,
questiona-se: o direito de confrontar a ciência é válido?
Os
países desafiadores das normas estabelecidas pela OMS, diante da crise
relacionada ao corona vírus, foram, entre outros, Espanha, Itália, Estados
Unidos e Brasil. Os três primeiros, temendo o colapso econômico, demoraram a
declarar o isolamento social obrigatório e, não coincidentemente, são os países
que mais possuem número de casos e mortes. Mais especificamente, o presidente
atual dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o congelamento da entrega de
recursos à OMS, acusando-a de “má gestão e encobrimento”. Logo, a não credibilidade aos dados
científicos e aos pedidos da OMS- quarentena obrigatória e emissão de teste-
gerou, e continua gerando, perdas de vidas. Direcionando a discussão a um olhar
nacional, o Brasil possui uma grande divergência interna, relacionada àqueles
que apoiam a ciência e os que se baseiam em uma opinião sem fundamentos
experimentais. O presidente da República, Jair Bolsonaro, em discursos,
refere-se ao corona vírus como uma “gripezinha”, além de querer afrouxar as
regras de isolamento social e ampliar o uso da cloroquina para todos os
infectados- afirmações essas contraditórias a embasamentos científicos e favoráveis
somente à economia. Na contramão, o agora ex Ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, demitido dia 16/04/2020 em detrimento do perene conflito com Jair
Bolsonaro, enfrentava a postura do
presidente, defendendo, de modo assíduo, as recomendações da OMS e comprovações
da ciência, como a eficácia da quarentena e a falta de dados que provem
benefícios da cloroquina. Portanto, o debate além de ser social, tangencia a
política e divide, progressivamente, a população mundial, não só entre favoráveis
e desfavoráveis à ciência, como entre vivos e mortos. Esses? Já se totalizam em 171.810.
Vistos
tais dados e informações, quando o assunto envolve crises de saúde
populacional, o direito de confrontar a ciência não é válido, já que durante
posicionamentos contrários à embasamentos científicos, mais vidas foram
perdidas por meras questões sócio-políticas. Corrobora-se o pensamento do
cientista Carl Sagan em “ O mundo assombrado pelos demônios: A ciência vista
como uma vela no escuro” quando afirma “Mas, se não exercemos uma dose mínima
de ceticismo, se temos uma credulidade sem limites, teremos de pagar por isso
mais tarde”. Realmente, o caráter não
cético de líderes mundiais, o posicionamento desfavorável à ciência e o retorno
ao pensamento arcaico do período medieval resultam em um dos maiores preços: o aumento de mortes pelo covid-19. De modo
irônico, a valoração da vida humana nunca foi tão desvalorizada pela economia.
Ana Marcela Nahas
Cardili- 1° ano Direito- Turno Matutino
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