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terça-feira, 21 de abril de 2020

Sobre o arcaico, o negacionismo e as consequências


Durante a Santa Inquisição, no período medieval, a Igreja Católica condenava qualquer ideia contrária à sua verdade absoluta, inclusive- e, principalmente- a ciência. É indubitável o desenvolvimento científico realizado até a modernidade, como aprimoramento da medicina e descobertas astrológicas e físicas. Porém, o panorama medieval de contesta mento à ciência permanece até os dias atuais. O contestar evidencia-se a partir de vários movimentos negacionistas do século XXI, como o terraplanismo, movimentos anti-vacina e negação da existência do aquecimento global. Nesse contexto, percebe-se que a crise mundial vivenciada na contemporaneidade, com a insurgência do covid-19, deixa de ser somente humanitária, assumindo  também um caráter político-social, quando vários países deixaram de seguir os protocolos, baseados em evidências científicas, exigidos pela OMS (Organização Mundial da Saúde), ocasionando consequências nefastas à população. Sendo assim, questiona-se: o direito de confrontar a ciência é válido?
Os países desafiadores das normas estabelecidas pela OMS, diante da crise relacionada ao corona vírus, foram, entre outros, Espanha, Itália, Estados Unidos e Brasil. Os três primeiros, temendo o colapso econômico, demoraram a declarar o isolamento social obrigatório e, não coincidentemente, são os países que mais possuem número de casos e mortes. Mais especificamente, o presidente atual dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o congelamento da entrega de recursos à OMS, acusando-a de “má gestão e encobrimento”.  Logo, a não credibilidade aos dados científicos e aos pedidos da OMS- quarentena obrigatória e emissão de teste- gerou, e continua gerando, perdas de vidas. Direcionando a discussão a um olhar nacional, o Brasil possui uma grande divergência interna, relacionada àqueles que apoiam a ciência e os que se baseiam em uma opinião sem fundamentos experimentais. O presidente da República, Jair Bolsonaro, em discursos, refere-se ao corona vírus como uma “gripezinha”, além de querer afrouxar as regras de isolamento social e ampliar o uso da cloroquina para todos os infectados- afirmações essas contraditórias a embasamentos científicos e favoráveis somente à economia. Na contramão, o agora ex Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, demitido dia 16/04/2020 em detrimento do perene conflito com Jair Bolsonaro, enfrentava  a postura do presidente, defendendo, de modo assíduo, as recomendações da OMS e comprovações da ciência, como a eficácia da quarentena e a falta de dados que provem benefícios da cloroquina. Portanto, o debate além de ser social, tangencia a política e divide, progressivamente, a população mundial, não só entre favoráveis e desfavoráveis à ciência, como entre vivos e mortos. Esses?  Já se totalizam em 171.810.
Vistos tais dados e informações, quando o assunto envolve crises de saúde populacional, o direito de confrontar a ciência não é válido, já que durante posicionamentos contrários à embasamentos científicos, mais vidas foram perdidas por meras questões sócio-políticas. Corrobora-se o pensamento do cientista Carl Sagan em “ O mundo assombrado pelos demônios: A ciência vista como uma vela no escuro” quando afirma “Mas, se não exercemos uma dose mínima de ceticismo, se temos uma credulidade sem limites, teremos de pagar por isso mais tarde”. Realmente, o  caráter não cético de líderes mundiais, o posicionamento desfavorável à ciência e o retorno ao pensamento arcaico do período medieval resultam em um dos maiores preços:  o aumento de mortes pelo covid-19. De modo irônico, a valoração da vida humana nunca foi tão desvalorizada pela economia.

Ana Marcela Nahas Cardili- 1° ano Direito- Turno Matutino

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