O
contrato social na contemporaneidade, segundo Boaventura Sousa Santos, está
enfraquecido e, portanto, volatilizado. Dessa maneira, sob a égide dos ditames
neoliberais e conservadores, a sociedade civil e as relações políticas estão,
com efeito, em constante mutabilidade, fato esse o qual repercute no rápido
esfacelamento de elos antes rígidos. Boaventura teoriza, ademais, sobre as “zonas
de contato”, as quais são os meios sociais nos quais se encontram a zona “selvagem
– marginal e socioeconomicamente carente – e a zona “civilizada” – na qual o
Estado é presente e eficaz.
A
partir do disposto, esquadrinha-se uma íntima relação de tal disparidade social
com a inclusão de cotas raciais em vestibulares no Brasil; segundo essa determinação,
pretos e pardos ganham um benefício nas provas pautado no pertencimento a uma
raça historicamente deteriorada e subjugada. Em primeira observação, a medida
parece justa e inclusiva, não constituindo uma “afronta” à Carta Magna do país,
como pretendia o DEM, em recente aguição; não obstante, basta uma análise além
do senso comum para encontrar nisso uma arma de corrosão e corrupção das áreas
periféricas do país.
As
regiões economicamente vulneráveis, no Brasil, enfrentam diariamente uma guerra
contra a miséria e contra o Estado, o qual pouco cuida e muito reprime. A
inclusão de cotas raciais, além de reforçar veementemente a concepção racista
de divisão social entre raças, cristaliza as diferenças entre pretos e brancos,
impossibilitando o rompimento de barreiras. A esquizofrenia racial, que rotulava
homens e mulheres pela cor da pele é elemento a ser transposto na sociedade
moderna e as cotas raciais, ao menos por hora não parecem ser o ideal.
Além
do embrutecimento da zona de contato, cria-se uma rixa interna da zona
selvagem, uma vez que o indivíduo vulnerável, mas branco, passa a sentir-se
reduzido frente ao vizinho, também marginalizado e pobre, porém negro ou pardo
em pele. Emerge, pois, um conflito interno nas regiões periféricas e, assim,
reduz-se a mobilização unitária das camadas menos favorecidas da sociedade em
prol de mudanças.
Dessa
maneira, parece-me que o Direito, “emancipatório” como coloca Boaventura Sousa
Santos, é utilizado, nesse recorte, de maneira equivocada e inconsequente. O
Estado se exime de uma responsabilidade e lança a sorte aos pouco afortunados,
não por ação do destino, mas por desorganização do próprio Estado. O Direito,
nas cotas sociais, não é emancipatório, mas sim ferramenta para suspender a
responsabilidade do Estado, que toma a saída fácil.
Fernando Melo Gama Peres - 1° ano, Direito, noturno.
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