Boaventura de Souza
Santos, sociólogo português que tem parte de sua produção acadêmica e
científica voltada para o Direito, em seu texto “Poderá o direito ser
emancipatório?” traça parâmetros que envolvem o neoliberalismo, a
pós-modernidade, o Direito e, principalmente, a questão dos socialmente
marginalizados. No mesmo, o autor apresenta o fascismo social, o qual está
incluído na dinâmica neoliberal e que emana das corporações privadas, tendo o
Estado ação fundamental para sua implementação ao dar terreno fértil para o
mesmo se desenvolver. O fascismo social manifesta-se de diversas formas,
podendo-se citar como exemplo o fascismo paraestatal, da insegurança,
territorial e financeiro.
Em abril de 2012 ocorreu no Supremo Tribunal Federal o
julgado referente ao sistema de reserva de vagas com base em critério
étnico-racial no processo de seleção de ingresso de estudantes na Universidade
de Brasília – o Partido Democratas entrou com processo de arguição de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF), alegando que tal medida da
universidade fere preceitos constitucionais. Após análise e votação dos
ministros, a Suprema Corte declarou improcedente a ADPF. Esse foi um tema que
incendiou discussões em todo o país e que ainda causa controvérsias: há aqueles
contrários a essa medida, bem como existem os que consideram necessária tal
ação afirmativa.
Submetendo os argumentos apresentados pelo DEM para
entrar com a ADPF bem como a posição que os ministros do Supremo possuíram para
deferirem seu voto ao que Boaventura de Souza Santos teorizou, é possível
afirmar que a política de reserva de vagas é uma quebra ao fascismo do
apartheid social, uma vez que essa política de ação afirmativa possibilita a
consolidação da igualdade formal, garantida pelo Estado de Direito, em
igualdade material aos indivíduos a que ela se destina. Fazer valer a igualdade
formal, ou seja, transforma-la em material, é retirar a pessoa a que se aplica
a política de cotas da “zona selvagem” e inseri-lo na zona civilizada, demarcada
pelo contrato social. Dessa forma, a clivagem urbana existente entre essas
zonas serão superadas, derrubando, assim esse fascismo social. Bem pontua o
Ministro Ricardo Lewandowski ao proferir os motivos que o levaram a deliberar
seu voto contrário à ADPF, dizendo que “para as sociedades contemporâneas que
passaram pela experiência da escravidão, repressão e preconceito, ensejadora de
uma percepção depreciativa de raça com relação aos grupos tradicionalmente
subjugados, a garantia jurídica de uma igualdade meramente formal sublima as
diferenças entre as pessoas, contribuindo para perpetuar as desigualdades de
fato existentes entre elas” ¹.
Os cotistas fazem parte da sociedade civil incivil – tipo
de sociedade civil estratificada pelo fascismo social que é caracterizada pela
total exclusão dos homens do contrato social estipulado pelo Estado de Direito
– uma vez que, diante da perpetuação de uma consciência de inferioridade e
falta de perspectiva, são lançados à marginalização social. As cotas, além de
entregar ao excluído a esperança de inserção em um meio social que ele via como
inatingível, o meio universitário, também possuem o poder de coibir a
discriminação do presente e eliminar os efeitos persistentes da discriminação
do passado.
¹ ADPF 186/DF. Voto
Ministro Ricardo Lewandowski (relator). 2012, p. 66. Disponível em: <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6984693> Acesso em: 22 de out. 2017.
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