A discussão acerca das cotas no
Brasil é extremamente relevante no âmbito econômico-social em que
o país se encontra. Tomemos o caso da Universidade de Brasília
(UnB). Com a criação de reserva de 20% das vagas no vestibular, por
um período de 10 anos, para estudantes autodeclarados negros (pretos
e pardos) em todos os cursos oferecidos, o partido Democrata (DEM)
abriu uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ação
que foi julgada improcedente.
A ação foi pautada sobre a tese
de que tal medida (implantação de cotas raciais) fere preceitos
fundamentais e estruturantes do Estado brasileiro, bem como configura
clara inconstitucionalidade. Mas é importante exaltar que não se
visa discutir ações afirmativas em seu sentido amplo. Trata-se
fundamentalmente do uso da raça como fator discriminante,
isoladamente, como sendo critério válido, legítimo, razoável e
constitucional para diferenciação entre o exercício de direitos
dos cidadãos. Seria correto afirmar que, exclusivamente por conta da
raça, o acesso aos direitos fundamentais é negado aos negros? Ou
tal acesso é restringido porque atrelado à condição econômica?
É inegável a influência
histórica de determinação da condição social do negro com a
problemática econômica. É inegável que a massa populacional de
mais baixas condições financeiras é predominantemente negra. Mas
não trata-se aqui de buscar uma solução para um problema racial,
mas para um problema socioeconômico. Uma solução (as cotas),
infelizmente, muito mal executada.
De
acordo com Villas-Bôas, Ações Afirmativas são um “conjunto de
medidas especiais e temporárias tomadas ou determinadas pelo Estado
com o objetivo específico de eliminar as desigualdades que foram
acumuladas no decorrer da história da sociedade”. Entretanto,
tal caráter temporário não se encontra presente na realidade
brasileira.
O sistema de cotas e os programas assistenciais socioeconômicos
(para citar alguns) são implantados sem o acompanhamento de
políticas de reestruturação social que possibilite futuramente
vencer o problema. A longo prazo, de nada adianta a implantação do
sistema de cotas sem a reestruturação e efetiva melhora do ensino
público do país. Cotas
para negros nas universidades ou em concursos
públicos não resolvem o problema. Apenas mascaram a realidade, na
medida em que revelam apenas uma política simbólica de custo zero
(visto que a quantidade de vagas universitárias não são
ampliadas). E,
ainda, generalizar que todo negro necessita de assistência estatal,
seria semelhante a cultivar um determinismo biológico, caindo em
erros como o de Garófalo e Lobroso e “seus criminosos natos”, e
ignorar completamente a miscigenação no país.
Os fatores biológicos não determinam a existência e a realidade
concreta. A maioria dos casos não são todos os casos. Se o problema
é a condição social e econômica, por que voltar à questão
racial? Por que não focar no cerne do problema e solucioná-lo de
forma efetiva, em
vez de
mascarar a realidade sob um ideal
de ordem e de boa sociedade?
Por
outro lado, temos a perspectiva das Ações Afirmativas como
instrumento contra os efeitos do racismo na sociedade. Como mecanismo
de integração social, étnica e racial, tratando-se de uma das mais
avançadas tentativas de concretização do princípio jurídico da
igualdade.
Joaquim
Barbosa classifica Discriminação Intencional, ou Tratamento
Discriminatório, como quando “a pessoa vítima de discriminação
é tratada de maneira desigual, menos favorável...”.As cotas não
configuram, assim, um ato discriminatório inconstitucional e
racista, por não se tratar de uma ação negativa. Muito
pelo contrário… Segundo
Carmen Lúcia Antunes Rocha (apud Joaquim Barbosa), “a definição
jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais,
histórica e culturalmente discriminados, é concebida como uma forma
para se promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados
por preconceitos encravados na cultura dominante na sociedade. Por
essa desigualação positiva promove-se a igualação jurídica
efetiva; por ela afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar
uma efetiva igualação social, política, econômica no e segundo o
Direito, tal como assegurado formal e materialmente no sistema
constitucional democrático. A Ação Afirmativa é, então, uma
forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social
a que se acham sujeitas as minorias”.
Boaventura
de Sousa Santos questiona a possibilidade do Direito ser, além de um
mecanismo regulamentador, também um de emancipação. Entretanto,
segundo ele, continuamos sempre obcecados pelas ideias de uma ordem e
de uma sociedade bons, fazendo com que fiquemos presos ao passado e
às teorias, a ponto de ignorarmos a realidade concreta. Estamos mais
ligados ao Direito religioso do que ao Direito secular, mais à
revelação do que à revolução. A situação das cotas, assim,
reflete uma busca idealizada, mascaradora da realidade, sem de fato o
objetivo de emancipação social. Trata-se de um passo inicial
fundamental ao processo. Porém, inicial. As
cotas representam uma Ação Afirmativa positiva e necessária para a
superação da triste realidade do país, mas somente como medida
transitória e temporária.
O
Direito pode sim ser usado como pleno mecanismo de emancipação.
Entretanto, eu, particularmente, sou cético demais e demasiadamente
descrente na incorruptibilidade humana para me iludir de que viverei
o suficiente para presenciá-lo.
Abner Santana de Oliveira- 1º Ano. Direito. Noturno.
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