No caso em tela, a ADPF 54, julgada
pelo Supremo Tribunal Federal como procedente para declarar a
inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez
de feto anencéfalo é conduta tipificada no Código Penal, será discutida no
presente texto.
A Primeira Turma do STF considerou
que a interrupção da gravidez de um feto anencéfalo até o terceiro mês deve ser
permitida pelo ordenamento jurídico brasileiro, sob a proposição de diversos
argumentos. A patologia torna inviável a vida extra-uterina, portanto, não há o
que se falar de aborto visto esse ser consolidado a partir da presumida
possibilidade de continuação da vida do feto. A dignidade da pessoa humana,
analogia à tortura, legalidade, liberdade, autonomia da vontade e direito à
saúde são direitos fundamentais consolidados pela Carta Magna brasileira e que
vão a favor da legalização do aborto de feto anencéfalo. Afinal, o corpo da
mulher pertence a quem para a tomada desta decisão de manter um feto que não
possui capacidade de viver fora do ventre da mãe? Pertence ao
Estado? À religião? À moral da maioria? Ou a disposição de seu corpo compete apenas
a própria mulher?
Para Bourdieu, o Direito é um campo jurídico que possibilita decisões mais coesas em relação a outras áreas, pois há “um corpo hierarquizado o qual põe em prática procedimentos codificados de resolução de conflitos...”. Portanto, apesar da liberdade que os juízes possuem para interpretar textos normativos, estes não são completamente livres porque devem respeitar as leis, princípios e estruturas já postas pelo ordenamento jurídico. Em razão disto, existe uma estrutura simbólica do campo que possibilita a tomada de decisões legítimas, ainda que contra a opinião hegemônica. De fato, é isso o que ocorre no caso da ADPF 54, pois os juízes são tomados por um ativismo judicial, intentando a promoção de avanços civilizatórios em nome de valores racionais, mas são revestidos por decisões legítimas pautadas no ordenamento.
Ana Laura Joaquim Mendonca - Direito Matutino
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