É chegado o derradeiro texto, não
menos importe e tampouco menos polêmico, talvez, tenhamos deixado o melhor para
o final. Quem diz que o aborto é caso “resolvido” e “mera questão de saúde
publica” está enganado (ou mal intencionado), o debate, até mesmo dentro da
ciência, é grande. No campo da moral, turbulento. No mundo religioso,
pecaminoso. No direito... bem, parece que estão resolvendo tudo a canetadas
“constitucionais”. É até compreensível que muitos esperem um SUPER STF,
resolvendo tudo o que aparece. Mas as demandas são muitas e provavelmente são
humanamente irresolvíveis por apenas 11 togas. A questão precisa ser debatida
com quem interessa e é, por direito, dona da soberania: o povo. E casa do povo
chama-se Assembleia Nacional.
Mas isto não é sobre
judicialização. É sobre a ADPF 54, de 2004, que arguia sobre o “aborto de
anencéfalos” e questionava o descumprimento de direitos humanos.
Interessante notar que argumentos
como o “direito exprime a realidade mediata” ou “o direito tem que seguir o que
está escrito”, são logo rebatidos por Bourdieu, diz ele que é fundamental que o
direito imponha-se como uma ciência que aja de forma autônoma, critica os
instrumentalistas e os formalistas, aqueles, por utilizarem o “maquinário” a
bel prazer de sua classe (pressão exercida pelas massas) e os outros por
entenderem o direito “engessado” e estar em prol das classes dominantes.
Parece Bourdieu ser bem mais
objetivo: o espaço do possível. De acordo com uma analogia, o STF, com seu
capital social, estaria agindo dentro do campo jurídico, dentro de um espaço
possível, seja: “por um lado, pelas relações de forças específicas que lhe
conferem a sua estrutura e que orientam as lutas de concorrência ou, mais
precisamente, os conflitos de competência que nele têm lugar e, por outro lado,
pela lógica interna das obras jurídicas que delimitam em cada momento o espaço
dos possíveis e, deste modo, o universo das soluções propriamente jurídicas” e
dentro desse espaço do possível é que ocorrem as “lutas” e reconhece que o
direito tem duas esferas: “o direito impõem universalmente ao reconhecimento
por uma necessidade simultaneamente lógica e ética”, que exprime bem o caso
apresentado, o aborto seria logico normativo da moral ou logica positiva da
ciência?
No tocante a racionalização,
Bourdieu acredita que o direto exprime uma certeza, o que é de fato, e não o
que ‘deve-ser’, nesse viés, analisando a hermenêutica a Ethos compartilhada no âmbito dos valores dominantes no campo,
ensejo para críticas ao simbolismo. O caso em questão, foi uma decisão pautada
realmente no direito, na razão ou na vontade de juízes? As atitudes éticas
seriam correspondentes? O pensador também trata da relevância da divisão do
trabalho jurídico enquanto atividade de interpretação, ou seja, a hermenêutica dos
juristas, que foi visível neste caso. Em contrapartida, Bourdieu também “questiona”
a pretensa liberdade de interpretação que os juízes possuem, é possível inferir
que eles não são completamente livres, é necessário lembrar que estão sempre
limitados, engendrados na estrutura, apegados as formalidades e princípios do seu
campo, ou seja, uma o respeito à estrutura simbólica do campo.
É possível entender o aborto de
anencéfalos pelo olhar cientifico, já que ele não seria visto como um
“assassinato”, mas sim, um tratamento emergencial, haja vista que, para a
ciência, o feto é natimorto, não terá grandes chances de sobrevivência. Logo, é preferivel e mais "eticamente" correto, o aborto. Isso é óbvio ululante. Mas por outro lado, basear na
mera moral individual ou apenas a cientifica, teríamos que validar a eugenia
nazista. Ou o higienisno social. Ou
aceitar todo tipo de transgênicos. Bordieu fala da moral, é preciso baliza-la.
E mais adiante, com precedentes, como analisar quais casos podem (ou merecem)
ser interrompidos? Ou então, como ver que o nosso Código já defende a vida do
feto mesmo antes de nascer. Quem pode definir, mesmo constitucionalmente, onde
a vida acaba? Como defender direitos humanos, sem defender o essencial: o
direito a nascer?
Não há consenso, seja argumentos
jurídicos, morais, religiosos ou meramente “pitacos”, é tema difícil, porém,
acredito ser de foro íntimo e decisão familiar, não cabendo a terceiros (ou até
mesmo o Estado definir ou proibir). O fato é que, numa pesquisa de 2010, 82%
da população era contra o aborto. Em fevereiro deste ano, 58%
era contrários mesmo em caso de microcefalia, por conta do vírus Zika. Ao
mesmo tempo que não podemos ficar sempre atrasados nessas questões, não podemos
desprezar os anseios da população, ou seja, nem cair no formalismo da letra da
lei e nem usar as manobras para instrumentalizar o direito. O debate ficou
ainda mais turbulento após a decisão da 1ª turma do STF em decidir que “aborto
nos três primeiros meses de gravidez não é crime”, embora as manchetes
tragam um título extremamente tendencioso, o STF só apreciou um caso concreto,
oriundo de Duque de Caxias/RJ, e, DIANTE DOS ELEMENTOS DAQUELE CASO, com suas
particularidades e seu contexto, não viu a prática de crime na interrupção de
uma gravidez. Isso não vale para qualquer outro caso, não faz “súmula” nem gera
legislação sobre, apenas pode abrir alguns precedentes. E, como a democracia
tem jogos de “toma-la-da-ca”, o Congresso já instalou comissão para rever
decisão do STF, na mesma noite.
Por fim, a
dinâmica do campo jurídico pressupõe: suposição de universalidade X “procura
social” X lógica própria do trabalho jurídico, ou seja, diante dos fatos, ainda
estamos nos “encontrando” como corpo social, para entender a lógica do trabalho
jurídico e quem sabe, um dia, encontrar a universalidade. Temos que entender,
como afirma Bourdieu, que o “novo direito” e “novas práticas” só “têm probabilidade
de frutificar se encontram respaldo, ainda que não visível”, já que para o
pensador, os símbolos são entendidos como instrumentos de integração social e
representam outro modo pelo qual o poder simbólico atua, é importante utilizar essas
estruturas atuais e nela travar a “luta simbólica” e daí soerguer a construção
jurídica que precisamos. De preferência, sem heróis.
Victor Hugo Xavier, 1° Direito, Noturno.
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