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terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Qual o alcance Constitucional da vida?


É chegado o derradeiro texto, não menos importe e tampouco menos polêmico, talvez, tenhamos deixado o melhor para o final. Quem diz que o aborto é caso “resolvido” e “mera questão de saúde publica” está enganado (ou mal intencionado), o debate, até mesmo dentro da ciência, é grande. No campo da moral, turbulento. No mundo religioso, pecaminoso. No direito... bem, parece que estão resolvendo tudo a canetadas “constitucionais”. É até compreensível que muitos esperem um SUPER STF, resolvendo tudo o que aparece. Mas as demandas são muitas e provavelmente são humanamente irresolvíveis por apenas 11 togas. A questão precisa ser debatida com quem interessa e é, por direito, dona da soberania: o povo. E casa do povo chama-se Assembleia Nacional.
Mas isto não é sobre judicialização. É sobre a ADPF 54, de 2004, que arguia sobre o “aborto de anencéfalos” e questionava o descumprimento de direitos humanos.

Interessante notar que argumentos como o “direito exprime a realidade mediata” ou “o direito tem que seguir o que está escrito”, são logo rebatidos por Bourdieu, diz ele que é fundamental que o direito imponha-se como uma ciência que aja de forma autônoma, critica os instrumentalistas e os formalistas, aqueles, por utilizarem o “maquinário” a bel prazer de sua classe (pressão exercida pelas massas) e os outros por entenderem o direito “engessado” e estar em prol das classes dominantes.   
Parece Bourdieu ser bem mais objetivo: o espaço do possível. De acordo com uma analogia, o STF, com seu capital social, estaria agindo dentro do campo jurídico, dentro de um espaço possível, seja: “por um lado, pelas relações de forças específicas que lhe conferem a sua estrutura e que orientam as lutas de concorrência ou, mais precisamente, os conflitos de competência que nele têm lugar e, por outro lado, pela lógica interna das obras jurídicas que delimitam em cada momento o espaço dos possíveis e, deste modo, o universo das soluções propriamente jurídicas” e dentro desse espaço do possível é que ocorrem as “lutas” e reconhece que o direito tem duas esferas: “o direito impõem universalmente ao reconhecimento por uma necessidade simultaneamente lógica e ética”, que exprime bem o caso apresentado, o aborto seria logico normativo da moral ou logica positiva da ciência?

No tocante a racionalização, Bourdieu acredita que o direto exprime uma certeza, o que é de fato, e não o que ‘deve-ser’, nesse viés, analisando a hermenêutica a Ethos compartilhada no âmbito dos valores dominantes no campo, ensejo para críticas ao simbolismo. O caso em questão, foi uma decisão pautada realmente no direito, na razão ou na vontade de juízes? As atitudes éticas seriam correspondentes? O pensador também trata da relevância da divisão do trabalho jurídico enquanto atividade de interpretação, ou seja, a hermenêutica dos juristas, que foi visível neste caso. Em contrapartida, Bourdieu também “questiona” a pretensa liberdade de interpretação que os juízes possuem, é possível inferir que eles não são completamente livres, é necessário lembrar que estão sempre limitados, engendrados na estrutura, apegados as formalidades e princípios do seu campo, ou seja, uma o respeito à estrutura simbólica do campo.

É possível entender o aborto de anencéfalos pelo olhar cientifico, já que ele não seria visto como um “assassinato”, mas sim, um tratamento emergencial, haja vista que, para a ciência, o feto é natimorto, não terá grandes chances de sobrevivência. Logo, é preferivel e mais "eticamente" correto, o aborto. Isso é óbvio ululante. Mas por outro lado, basear na mera moral individual ou apenas a cientifica, teríamos que validar a eugenia nazista.  Ou o higienisno social. Ou aceitar todo tipo de transgênicos. Bordieu fala da moral, é preciso baliza-la. E mais adiante, com precedentes, como analisar quais casos podem (ou merecem) ser interrompidos? Ou então, como ver que o nosso Código já defende a vida do feto mesmo antes de nascer. Quem pode definir, mesmo constitucionalmente, onde a vida acaba? Como defender direitos humanos, sem defender o essencial: o direito a nascer?

Não há consenso, seja argumentos jurídicos, morais, religiosos ou meramente “pitacos”, é tema difícil, porém, acredito ser de foro íntimo e decisão familiar, não cabendo a terceiros (ou até mesmo o Estado definir ou proibir). O fato é que, numa pesquisa de 2010, 82% da população era contra o aborto. Em fevereiro deste ano, 58% era contrários mesmo em caso de microcefalia, por conta do vírus Zika. Ao mesmo tempo que não podemos ficar sempre atrasados nessas questões, não podemos desprezar os anseios da população, ou seja, nem cair no formalismo da letra da lei e nem usar as manobras para instrumentalizar o direito. O debate ficou ainda mais turbulento após a decisão da 1ª turma do STF em decidir que “aborto nos três primeiros meses de gravidez não é crime”, embora as manchetes tragam um título extremamente tendencioso, o STF só apreciou um caso concreto, oriundo de Duque de Caxias/RJ, e, DIANTE DOS ELEMENTOS DAQUELE CASO, com suas particularidades e seu contexto, não viu a prática de crime na interrupção de uma gravidez. Isso não vale para qualquer outro caso, não faz “súmula” nem gera legislação sobre, apenas pode abrir alguns precedentes. E, como a democracia tem jogos de “toma-la-da-ca”, o Congresso já instalou comissão para rever decisão do STF, na mesma noite.


Por fim, a dinâmica do campo jurídico pressupõe: suposição de universalidade X “procura social” X lógica própria do trabalho jurídico, ou seja, diante dos fatos, ainda estamos nos “encontrando” como corpo social, para entender a lógica do trabalho jurídico e quem sabe, um dia, encontrar a universalidade. Temos que entender, como afirma Bourdieu, que o “novo direito” e “novas práticas” só “têm probabilidade de frutificar se encontram respaldo, ainda que não visível”, já que para o pensador, os símbolos são entendidos como instrumentos de integração social e representam outro modo pelo qual o poder simbólico atua, é importante utilizar essas estruturas atuais e nela travar a “luta simbólica” e daí soerguer a construção jurídica que precisamos. De preferência, sem heróis. 

Victor Hugo Xavier, 1° Direito, Noturno.

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