Max
Weber buscou entender as mudanças de sua época advindas da Revolução
Industrial, em consequência desenvolveu uma linha de pensamento que relacionou
as mudanças estruturais, culturais e sociais da modernidade com a construção do
capitalismo e o crescimento dos meios urbanos. Para o autor a lógica cristã
possibilitou o desenvolvimento do sistema de produção capitalista e o
crescimento do capitalismo resultou na racionalização do mundo social, a preocupação
de Weber foi compreender o processo pelo qual o pensamento racional impactou
nas instituições modernas. A racionalização do Direito foi uma consequência
desse processo de racionalização, a aplicação da disposição jurídica a uma constelação
de fatos concretos converteu-se em instrumento para a classe dominante, que
utilizou o sistema e a administração legal para a manutenção do capitalismo.
A lógica cristã, a racionalização do
mundo social, a manutenção do sistema capitalista e a racionalização jurídica a
favor da classe dominante são elementos fundamentais para entender as questões
de gênero envolvendo as pessoas transexuais e suas lutas judiciais para
alteração do registro civil e realização (através do Sistema Único de Saúde) da
cirurgia de transgenitalização.
Segundo a racionalidade substantiva de
Weber, que interpreta a realidade social em função dos valores, a decisão do
Juiz da Comarca de Jales deferindo a tutela antecipada deveria ser reformada,
uma vez que é incompatível com os valores da sociedade brasileira,
majoritariamente cristã e transfóbica. Essa decisão também foi contraria a
racionalidade prática Weberiana, que interpreta a realidade social em função
dos interesses dos atores sociais, tendo em vista que é de interesse da classe
dominante a manutenção da problemática de gênero, por se tratar de um dos pilares
fundamentais para divisão da sociedade e atribuição de diferentes valores para
a força de trabalho dos componentes de cada grupo social, visando o aumento do
lucro.
No entanto analisando o caso
utilizando-se do conceito de racionalidade teórica, que busca o conhecimento da
realidade social, e de racionalidade formal, que interpreta a realidade social
em função das regras prévias, o entendimento do Juiz foi correto, tendo em vista que através
de um exercício de hermenêutica o Magistrado deduziu o direito à identidade,
como um direito fundamental implícito no Art.5 § 2 da Constituição Federal, além
de ser um direito amplamente reconhecido pela jurisprudência e doutrinas
nacionais e expressamente consagrado em tratados internacionais.
No entanto,
ainda que reconhecido judicialmente, a obrigação do Estado de realizar a
cirurgia é questionada utilizando-se de argumentos de uma lógica capitalista e
simplista que alega que o SUS não tem logrado êxito no atendimento de questões básicas
de saúde, na maioria dos casos a real motivação desse questionamento é a
transfobia, uma vez que a precariedade da saúde no Brasil se deve
principalmente a má gestão, corrupção e ao baixo investimento público (o Brasil
investe cerca de 490 dólares por pessoa por ano em saúde, em comparação com
Canadá 4 mil dólares, Inglaterra 3 mil dólares, Argentina 700 dólares e Chile
550 dólares).
Em instância superior a decisão do
Juiz foi reformada, negando o direito à alteração do registro civil e
realização da cirurgia para a requente, desse modo atendendo aos interesses de
uma sociedade capitalista e cristã, que ao invés de racionalizar o mundo social
de maneira empática e humana, prefere patologizar a diferença “desumanizando o
ser humano”.
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