O caso da transexual que brigou na justiça pelo
reconhecimento de seu gênero feminino e pela cirurgia de transgenitalização pelo SUS pode ser muito analisado. É evidente que, na sociedade atual, a
transfobia é ainda muito intensa, o que pode ser observado inclusive pela própria
palavra “transsexualismo”, cujo sufixo “ismo” remete a uma patologia. Os
transsexuais hoje passam por sérias dificuldades, principalmente sociais, as
quais implicam também dificuldades concernentes ao seu próprio corpo, como o
desejo pela cirurgia de mudança de sexo, requerida pela moça aqui tratada. Nesse
caso, o juiz decidiu em favor dela, mas ainda assim recorrendo a um argumento de problematicamente
preconceituoso, que apontava a transsexualidade como doença e os reflexos
psicológicos que tal “anormalidade” poderia causar. Observamos, aí, o
retrocesso social que devemos combater.
Desse modo, há muito também que se relacionar o caso com a visão Weberiana sobre o direito.
Segundo o autor, o direito pode ser guiado tanto pela racionalidade formal quanto
pela material. Quando pela primeira, formal, o direito mostra como seu
principal a norma e a obediência a ela, considerando o cálculo entre
ação-efeito, originário do ordenamento jurídico. Já a racionalidade material é
aquela que, pensando sob a ótica do direito, leva em consideração os aspectos
sociais reais influentes, com um peso valorativo e ético. Toda essa discussão sobre
racionalidade do direito é justamente para mostrar a impossibilidade de uma
racionalidade pura do direito. Existem classes que carregam interesses
materiais muito claras e que pressionam o direito para incorporar seus ideais.
Weber idealizava um sistema “sem lacunas” do direito objetivo, mas tal
mostra-se inexistente ou impossível. Nenhum direito é ativo de abarcar tudo: o
que observamos é uma constante influência cíclica entre o material e o formal.
No caso da transexual aqui tratado, por exemplo, pode-se apontar que o juiz
utilizou da perspectiva material para tomar sua decisão, levando em conta o
direito à dignidade, liberdade, disposição do próprio corpo (artigo 13 do
Código Civil), dentre outros. Essa sobreposição do direito material sob o
formal é que mantém a dinâmica que dá cada vez mais espaço às minorias que
procuram e que precisam lutar por seus direitos, clamando ampliação da generalidade
formal para que ela possa abarcar sua condição, visto que temos em mãos um
ordenamento de leis extremamente conservador, principalmente em sua prática. Assim,
o pressionamento permanente de interesses materiais de outros grupos pressionam
a transformação do formal. Ao mesmo tempo, é também importante observar que além
de pressões para expandir a forma, também há pressões para contraí-la (nesse
caso, entra a atuação da bancada evangélica, por exemplo).
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