Nossa sociedade está muito longe de ser perfeitamente
possível de ser regida por um conjunto de normas de fato a não apresentar
nenhuma espécie de problemas caso tais normas sejam cumpridas. Nossa sociedade
é acima de tudo conflituosa, estando esses conflitos situados principalmente em
um sistema muito maior, que ultrapassa os limites práticos e exigem toda uma
conjuntura para poderem se legitimar, estando nessa conjuntura o próprio
Direito.
Assim, embora o nosso Direito – especialmente quando observada
a nossa Constituição Federal – assegure princípios naturais básicos, ele ao
mesmo tempo é utilizado de forma a restringir o acesso à justiça e permitir
ainda mais a dominação entre as classes. Esse uso do Direito faz com que ele se
distancie cada vez mais do cotidiano da sociedade brasileira, marcado por uma
gritante desigualdade social e pela intolerância.
Este conflito, entretanto, não se restringe ao
conjunto normativo do nosso país e tampouco é recente: o sociólogo Max Weber, em
sua obra “Economia e Sociedade – Fundamentos da Sociologia Compreensiva” do
início do século passado, já apontava a existência de um direito meramente
formal, baseado unicamente em suas regras e normas, e um direito material, que
considera questões práticas que superam os próprios aspectos normativos. Mas até que
ponto essa coexistência não é capaz de exacerbar ainda mais os nossos conflitos
sociais já existentes?
Uma questão em que tal conflito aparece de maneira
clara é a que trata do gênero. Atualmente é mais do que sabida a existência dos
transgêneros, aqueles que não reconhecem seu gênero como sintonizado ao sexo
que possuem, mas a luta para a realização da operação de transgenitalização
pelo sistema público de saúde permanece latente. Se por um lado o nosso Direito
defende o acesso universal à saúde para a preservação da saúde física e
psicológica de todos os seus indivíduos, por outro a valorização dos “bons
costumes sociais” e do tradicionalismo nas nossas leis encaminha tais processos
para um espiral de conservadorismo e – por que não dizer – de intolerância.
Talvez a dificuldade para a solução de tal
problemática resida justamente na forma cíclica com que ela se apresenta. O
Direito, enquanto instrumento que deve auxiliar o Estado a organizar a sociedade
e também fornecer meios para que a própria sociedade se organize enquanto
portadora de direitos, deveria constantemente acompanhar as transformações
sociais para que pudesse representa-la de forma igualitária e sempre coerente.
Entretanto, as transformações sociais e as próprias relações sociais em que
elas se baseiam se encontram calcadas em uma constante luta de classes em que
prevalece a dominação de uma classe sobre a outra, fato que se torna visível em
inúmeros recortes, como o de raça, gênero, sexo etc. Nessa lógica, acompanhando
as transformações e relações sociais, o Direito funcionaria como instrumento
revolucionário, o que desagradaria a própria classe que historicamente o
organiza e contraria o próprio princípio da lei, que é o da manutenção da ordem
vigente. Mais uma vez, nos depararíamos com o conflito do formal contra o
material. De um lado, normas que muitas vezes custam a sair dos extensos
calhamaços de papel em que estão impressas. De outro, uma população que aguarda
representatividade e amparo na luta pelos direitos que teoricamente são seus.
Acima desse conflito, o próprio poder de mobilização social e de exigência de
mudanças. De que lado ficaremos?
Luiz Antonio Martins Cambuhy Júnior
1º Ano - Direito Matutino
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