Em primeiro plano, é importante
destacar, no pensamento de Weber, as distinções entre direito material e
direito formal. Sendo assim, salienta-se que o direito material corresponderia
às normas sociais, culturais, políticas, de forma que encontra-se na sociedade
de forma não positivada no ordenamento jurídico; isto é: o direito material
corresponde aos valores de um meio social. Em contrapartida, o direito formal
corresponde às leis positivadas no contexto jurídico de uma sociedade.
Partindo-se desse pressuposto, o
contexto de cirurgia de transgenitalização envolve algumas reflexões.
Uma dos apontamentos que podem ser
tecidos se refere à lacuna do direito formal quanto à temática dos transexuais,
o que abre precedente para a influência do direito material ocupar maior papel
na jurisprudência. Nessa toada, considerando-se que o ordenamento jurídico
brasileiro, de certa forma, omite-se em relação aos direitos e garantias da
minoria transexual, pode-se perceber que tal grupo encontra-se marginalizado no
sistema legislativo, embora existam direitos universais, na prática seletivos,
presentes na Constituição e no Código Civil.
Dessa forma, o direito material,
respaldado nos princípios do Estado Democrático de Direito, como a dignidade da
pessoa humana, nortearia, teoricamente, a jurisprudência na lacuna do direito
formal. Assim, verificou-se tal raciocínio no julgado da cirurgia de
retificação sexual: buscou-se, a partir de uma omissão do ordenamento jurídico,
aplicação de princípios do direito material.
Contudo, verifica-se que, na
realidade prática, o direito material encontra-se, muitas vezes deturpado, de
modo que valores dos Direitos Humanos e éticos não são generalizados no
ambiente dos agentes jurídicos. À título disso, percebe-se as poucas
realizações da cirurgia pelo SUS, uma vez que muitos transexuais entram em
juízo para obtê-la.
Na mesma linha de raciocínio, esse
contexto de descompasse do direito material evidencia uma realidade desumana: a
sociedade possui valores notadamente transfóbicos. Nessa toada, se a transfobia
é um valor cultural e social, o direito material não corresponderia, então de
fato, a um valor social universal.
Além dessa reflexão, tece-se o pensamento
de que o direito formal legitima uma condição de subumanidade das pessoas
transexuais. Nesse ínterim, o direito formal exige que, para a tutela do Estado
à subjetividade do transexual, a partir do custeio dos processos que envolvem a
retificação sexual, necessita-se considerar que a transexualidade consiste numa
patologia. Ademais, o próprio direito material atribui a esses indivíduos uma
condição, muitas vezes, de zoomorfização e de patologização.
Entretanto, o sistema de
desumanização pode sucumbir a partir de mudanças no direito material para
atingir o direito formal. No bojo disso, percebe-se que as lutas da minoria
LGBT, aliada à mobilização jurisprudencial em favor da exclusão da
patologização e à facilitação do processo de afirmação identitária do
transexual, seria um agente de reforma dos valores predominantes na sociedade.
Com a modificação da intelectualidade da sociedade, transforma-se o direito a
partir de precedentes da atuação jurisprudencial -nota-se que a ampliação do
número de processos de retificação sexual, acompanhada do esclarecimento acerca
da condição de normalidade dos transexuais, abriria significaria uma própria
mudança no direito formal.
Destarte, o julgado acerca da
cirurgia de trangenitalização aborda o questionamento, numa lógica capitalista,
do valor econômico do Estado a partir do custeio do processo, além de
problematizar a tutela do direito a um aspecto subjetivo.
Luiz Henrique Garbellini Filho - 1º ano diurno
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