Tortura. Objetificação. Trabalho escravo. Abusos. Anulação da cultura. Maus tratos. Desprezo. Esses foram apenas alguns dos sofrimentos que a população negra passou durante cerca de 300 anos no Brasil. Infelizmente, o preconceito e as desigualdades sociais não ficaram no passado, em pleno século XXI a igualdade plena entre os brasileiros ainda não foi atingida. Os casos de racismo são persistentes, ainda há uma forte desigualdade social e balas perdidas acabam por, quase sempre, encontrar os corpos negros.
Nesse contexto, em 2004 a Universidade de Brasília (UnB) adotou o sistema de cotas raciais e foi objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186 (ADPF 186), alegando que as cotas para o ingresso na universidade eram inconstitucionais. Em abril de 2012 quando foi realizado o julgamento dessa ADPF, os ministros unanimemente votaram que as cotas da UnB não eram desproporcionais, e sim, um ótimo meio de superar a desigualdade histórica entre brancos e negros. Assim, pode-se afirmar que a política de cotas para o ingresso nas universidades estava dentro do espaço dos possíveis, afinal, todos os ministros acompanharam o voto do Ministro Ricardo Lewandowski. Provando que, de fato, a realidade brasileira não estava de acordo com o texto constitucional e que as cotas são uma ótima medida temporária para tentar solucionar esse problema. Os juízes nesse caso agiram de forma racional, pois votaram para que os princípios presentes no art. 5º do texto constitucional pudessem ter mais chances de saírem do plano do dever ser e ir para o do ser, isto é, votaram pela antecipação descrita por Antonie Garapon, votaram pelo aprofundamento da democracia.
Ademais percebe-se, claramente, uma historicização da norma pois trazendo toda a demanda da população negra por igualdade e analisando a realidade atual desse grupo, deve-se tomar uma atitude para fazer com que normas antigas possam ser capazes de proteger e assegurar novas demandas. Essa situação expressa a busca por um direito fundamental dos povos afrodescendentes. Por mais que a Constituição diga que todos possuem os mesmos direitos, o indivíduo negro se sente perdido ao sofrer discriminações diárias. Logo, cabe ao Estado tomar alguma atitude para proteger o seu cidadão- esse conceito é o paternalismo judicial.
Nesse caso, o direito que está sendo tutelado é o direito de igualdade. Ele é obtido através da criação de políticas públicas, entretanto, no Brasil, foi necessário que a via jurídica intercedesse para que as políticas públicas pudessem fazer o seu papel.
Também se verifica que quem está mobilizando o direito são os movimentos sociais, mais especificamente, nesse caso, o movimento negro. Isso está ocorrendo porque a população negra vive em constante desigualdade social, econômica e educacional, e sabe-se que é através da educação de qualidade que se pode mudar vidas, por isso a importância das cotas nas universidades é tamanha.
Por fim, é válido dizer que o racismo chega até na produção de conhecimento. O que se verifica, de maneira geral, na modernidade é o epistemicídio, ou seja, a eliminação dos saberes não brancos. Configura-se uma monocultura do saber, somente pesquisadores brancos de todas as áreas ganham os holofotes e os indivíduos negros precisam se contentar com o sul abissal. Dessa maneira, as cotas nas universidades além de garantirem uma efetivação do art.5º, I, são capazes de promover uma ecologia de saberes e trazer cada vez mais o negro para à luz.
Heloísa Pilotto Fernandes Salviano, turno noturno.
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