Crítica a
solidariedade positiva
No século 19, após
observar os vários levantes revolucionários da chamada Primavera dos Povos e
presenciar o constante conflito entre conservação e progresso, o sociólogo
Auguste Comte publicou seu livro Discurso sobre o espírito positivo que, em
linhas gerais, propunha uma organização social que possuísse como base a ordem,
o progresso e a solidariedade.
Para Comte, para se alcançar a sociedade ideal,
primeiramente, precisa-se estabelecer a ordem, visando determinados padrões de
conduta, o equilíbrio e a conservação. Uma vez mantida a ordem, o objetivo
seria o progresso, o desenvolvimento. Já a solidariedade, possui papel
imprescindível na sociedade positiva, uma vez que promove a ligação de um com
todos, a harmonia social.
Existem diversas críticas direcionadas ao positivismo. A
meu ver, o elemento de maior problemática seria a solidariedade, que
funcionaria como uma maquiagem para o real condicionamento humano.
Falando sobre condicionamento sob a ótica do positivismo,
pode-se facilmente lembrar do texto “Mentiras gays”, no livro O imbecil
coletivo de Olavo de Carvalho. Neste, o escritor discorre sobre como os
egoístas homossexuais são um desserviço para a sociedade, pelo caráter não
reprodutivo de suas relações amorosas. Carvalho chega até a clamar por um
direito de expressar a repugnância, como um efeito contrário ao direito de
livre expressão da sexualidade.
Totalmente absurda e inviável para uma sociedade de
parâmetros democráticos, essa ideia de direito à repugnância é muito bem
exemplificada no livro 1984, de George Orwell. No romance, os cidadãos são
incentivados à prática dos “dois minutos de ódio”. Durante esse tempo, todos
xingam e gritam coisa horríveis para todos aqueles que vão de encontro ou
ameaçam diretamente a ordem social estabelecida. Ou seja, é como se o Olavo
enxergasse na expressão da repugnância uma válvula de escape para todo o ódio
sentido pelos gays, principais culpados pela desintegração da ordem e da moral.
Ainda no campo da solidariedade, o trabalho possuí lugar de
destaque. Na física social de Comte: todo trabalho é importante para o perfeito
funcionamento da máquina social, todos são dignos e cada classe possui seu
devido papel.
No entanto, a visão sociológica de Comte se mostra
deturpada, uma vez que é contra princípios de liberdade, reprime a participação
política da classe operária e não se importa se existem pessoas vivendo na
miséria, na marginalização, em regimes análogos a escravidão ou mesmo com
sacrifícios sociais, se estas coisas não interferirem na felicidade e perfeito
funcionamento de sua sociedade positiva.
Em um primeiro momento, a filosofia de Comte pode até
seduzir, oferecendo uma conciliação entre conservação e desenvolvimento e ainda
a harmonia na civilização humana. Mas, ao se aprofundar, ao ver os reais custos
e benefícios desta organização, é que vemos que, assim como no livro 1984
liberdade é sinônimo de escravidão, a solidariedade positiva é sinônimo de
condicionamento e imposição. E, uma sociedade positiva não é compatível com os
preceitos de liberdade fundamentais para a nossa democracia.
Angela Severo dos Santos – matutino
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