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segunda-feira, 20 de julho de 2020

Crítica a solidariedade positiva

Crítica a solidariedade positiva

 No século 19, após observar os vários levantes revolucionários da chamada Primavera dos Povos e presenciar o constante conflito entre conservação e progresso, o sociólogo Auguste Comte publicou seu livro Discurso sobre o espírito positivo que, em linhas gerais, propunha uma organização social que possuísse como base a ordem, o progresso e a solidariedade.
 Para Comte, para se alcançar a sociedade ideal, primeiramente, precisa-se estabelecer a ordem, visando determinados padrões de conduta, o equilíbrio e a conservação. Uma vez mantida a ordem, o objetivo seria o progresso, o desenvolvimento. Já a solidariedade, possui papel imprescindível na sociedade positiva, uma vez que promove a ligação de um com todos, a harmonia social.

 Existem diversas críticas direcionadas ao positivismo. A meu ver, o elemento de maior problemática seria a solidariedade, que funcionaria como uma maquiagem para o real condicionamento humano.
Falando sobre condicionamento sob a ótica do positivismo, pode-se facilmente lembrar do texto “Mentiras gays”, no livro O imbecil coletivo de Olavo de Carvalho. Neste, o escritor discorre sobre como os egoístas homossexuais são um desserviço para a sociedade, pelo caráter não reprodutivo de suas relações amorosas. Carvalho chega até a clamar por um direito de expressar a repugnância, como um efeito contrário ao direito de livre expressão da sexualidade.
 Totalmente absurda e inviável para uma sociedade de parâmetros democráticos, essa ideia de direito à repugnância é muito bem exemplificada no livro 1984, de George Orwell. No romance, os cidadãos são incentivados à prática dos “dois minutos de ódio”. Durante esse tempo, todos xingam e gritam coisa horríveis para todos aqueles que vão de encontro ou ameaçam diretamente a ordem social estabelecida. Ou seja, é como se o Olavo enxergasse na expressão da repugnância uma válvula de escape para todo o ódio sentido pelos gays, principais culpados pela desintegração da ordem e da moral.
 Ainda no campo da solidariedade, o trabalho possuí lugar de destaque. Na física social de Comte: todo trabalho é importante para o perfeito funcionamento da máquina social, todos são dignos e cada classe possui seu devido papel.
 No entanto, a visão sociológica de Comte se mostra deturpada, uma vez que é contra princípios de liberdade, reprime a participação política da classe operária e não se importa se existem pessoas vivendo na miséria, na marginalização, em regimes análogos a escravidão ou mesmo com sacrifícios sociais, se estas coisas não interferirem na felicidade e perfeito funcionamento de sua sociedade positiva.
 Em um primeiro momento, a filosofia de Comte pode até seduzir, oferecendo uma conciliação entre conservação e desenvolvimento e ainda a harmonia na civilização humana. Mas, ao se aprofundar, ao ver os reais custos e benefícios desta organização, é que vemos que, assim como no livro 1984 liberdade é sinônimo de escravidão, a solidariedade positiva é sinônimo de condicionamento e imposição. E, uma sociedade positiva não é compatível com os preceitos de liberdade fundamentais para a nossa democracia.


Angela Severo dos Santos – matutino

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