Ter empatia com uma causa social sempre foi algo digno de
admiração entre nós seres humanos. Deixar nossos interesses e vontades pessoais
de lado para salvaguardar o bem-estar de outrem é uma atitude considerada nada egoísta
e digna de reconhecimento. Mas até onde nosso senso de pertencimento à um corpo
social deve interferir em nossa individualidade? Será que para que uma
sociedade se comporte de modo mais orgânico possível todas as suas engrenagens
devem constituir-se de peças iguais e devem então comportar-se de maneira
indistinta? E talvez a questão mais importante que deve ser posta, existem
peças mais relevantes que as outras quando se fala na composição de algo?
Auguste Comte, pai da filosofia positivista, afirmou que
para existir um progresso social a ordem deve ser primeiramente estabelecida.
Segundo ele, para que essa ordem se torne realidade o indivíduo deve estar
ciente e educado de uma moral baseada numa racionalidade que discrimine o
essencial daquilo que é supérfluo. No caso concreto, qualquer coisa que fuja de
uma normatização e que não tenha em vista um fim útil aos padrões gerais de uma
sociedade acaba por estabelecer uma desarmonia no sistema social e por esse
motivo deve ser vista como uma anomalia que deve ser corrigida e, quando possível,
restaurada. A ordem é algo que regra e estabelece uma padronização de comportamento.
Nesse sentido, falar-se em plena identidade individual parece ser algo que fere
esse princípio.
Seguindo as analogias do campo biológico que estudiosos como
Comte e Émile Durkheim insistiram em fazer em seus estudos sociológicos, ao
entenderem que o todo acaba sendo maior que a soma das partes, ignoram que cada
peça que compõem um corpo orgânico trabalha por um fim em si mesma, cada órgão de
um sistema se solidariza no conjunto porque tem uma necessidade natural de
sobreviver de uma forma que garanta seu pleno funcionamento, e que só como
expressão última acaba por trazer benefícios maiores para o todo. Promover a
total perda de identidade de algo em prol de uma visão que se diz superior é
tão simplesmente apoiar-se numa ideia que limita aquilo que na prática não pode
e nem deve ser limitado. Nenhuma peça de um sistema complexo é totalmente igual
ou se sobressai a outra, e não se poderia falar em finalidade sem considerar
que quando um componente deixa de agir da maneira que está naturalmente predisposto
a fazer sempre acaba afetando os outros componentes que estão com ele
relacionados.
Respeitar a diferença e entendê-la como algo positivo é uma lição que só muito recentemente nós seres humanos começamos a entender.
Ter gostos, propensões, e maneiras de conduzir a vida diferentes só são
julgáveis quando afetam de forma maléfica o outro, e por isso qualquer
teorização que vá no caminho contrário somente estará buscando estabelecer uma
uniformização superficial da realidade em um contexto em que as coisas naturalmente
necessitam funcionar de maneira distinta para que se possa de fato haver uma
coexistência harmônica e orgânica.
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