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segunda-feira, 20 de julho de 2020


Humanidade e Progresso

          No romance “Não Me Abandone Jamais”, de Kazuo Ishiguro, somos guiados pelas memórias de Kathy H. uma cuidadora que relembra os momentos em que passou no internato Hailsham, uma escola lírica com ênfase nas artes e em uma vida idílica, entretanto todos os alunos de Hailsham são clones cujo único objetivo é chegarem a fase adulta para doarem seus órgãos como verdadeiras peças de reposição, os alunos de Hailsham não terão direito à existência, mas serviram em prol de um “bem maior” para o corpo social, tendo em vista que os alunos são clones logo não são seres possuidores de direitos. Fora da ficção, não é novidade que ao longo da história buscou-se legitimar discursos segregacionistas através do uso de termos médicos e racionais, seja no processo de eugenia no século XIX ou em um artigo de Olavo de Carvalho, para compreender esses discursos torna-se necessário realizar uma inquirição no Positivismo Filosófico de Auguste Comte.
 2 — Introdução ao Positivismo
          Em meio a uma série de transformações sociais, iniciadas quando três séculos antes Copérnico descobriu que à terra não era o centro do universo, o francês Auguste Comte, escreve o “Curso de Filosofia Positiva”, uma obra monumental dividida em seis volumes que disserta acerca dos fundamentos do “Positivismo” e a teoria dos três estados. Nessa obra, Comte descreve o verdadeiro “Bildungsroman” (romance de formação) da humanidade, Goethe revolucionou ao escrever em “Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister”, um herói em formação, narrando da infância até chegar a maturidade, assim faz Comte ao definir a Lei dos Três Estados.
          A infância da humanidade seria o estado “Teleológico”, momento no qual as sociedades recorreriam às explicações sobrenaturais para explicar aquilo que não consegue entender, a mocidade seria o estado “Metafisico”, um momento de transição onde as entidades sobrenaturais dão espaço para conceitos abstratos. Por fim, a maturidade das sociedades seria o estado “Positivo”, o momento no qual a razão deixaria de cair em divagações metafísicas e buscaria somente as leis dos fenômenos com o desejo de confirmar ou não a validade das teorias, ou seja, aceitar aquilo que está posto e buscar exclusivamente o conhecimento que permita o progresso social.
3 — A legitimação da barbárie
          Ante o exposto, identificamos que as teses de Comte encontram espaço para perigosas construções discursivas no âmbito de legitimar praticas segregacionistas em nome do “progresso” e do bem maior do corpo social, será tomado como exemplo desses perigosos discursos: o Movimento Eugenista e o artigo escrito por Olavo de Carvalho que foi debatido em aula.
          Em primeiro lugar, o Movimento eugenista origina-se na Inglaterra, mas tem grande influência no final do século XIX e início do século XX em diversos países  incluindo o Brasil —, esse movimento pregava a “melhoria” da raça humana através da seleção genica e da esterilização das populações tidas como inferiores para permitir uma melhoria da sociedade. Nesse sentido, identificamos o forte caráter positivista dessa tese ao alinhar a necessidade de um progresso social a partir da eliminação de determinados grupos, os eugenistas negavam qualquer caráter preconceituoso e gostavam de reforçar o caráter meramente cientifico de suas teses
          Já no texto “Mentiras Gays”, de Olavo de Carvalho, o discurso concentrasse na capacidade de contribuição da comunidade LGBTQIA+. Segundo Olavo, essa comunidade não pode ser detentora de direitos que as protejam da descriminação ou de direitos iguais aos dos casais heterossexuais, tendo em vista que por serem uma comunidade onde suas relações sexuais não têm por objetivo a reprodução, mas somente a “satisfação do prazer”, desta forma, são pessoas que não contribuem para a continuidade do corpo social as excluindo automaticamente do rol dos direitos, para o “filósofo” a proteção à comunidade LGBT deve se resumir a mera positivação em lei sem qualquer estatuto especial. Observamos que Olavo busca um elemento “racional” para justificar a exclusão da comunidade LGBTQIA+, e encontra esse elemento nas teses do progresso social do positivismo.
4 — Conclusão
          A obra de Kazuo Ishiguro é sensível e humana, lida com o dilema existência daqueles que foram escolhidos para serem sacrificados, a busca pelo progresso indiscriminadamente não nos torna mais humanos se ao longo do caminho negarmos a nossa própria humanidade. Auguste Comte foi pioneiro ao propor a necessidade de uma ciência voltada para o social, deste embrião surgiram as Ciências Econômicas, a Sociologia e o Direito. Por fim, que a busca pelo progresso se concilie com o sentido humano que almejamos.     

Luís Gustavo da Silva - 1º ano de Direito/Matutino. 

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