Humanidade e Progresso
No romance “Não Me Abandone Jamais”, de Kazuo Ishiguro,
somos guiados pelas memórias de Kathy H. uma cuidadora que relembra os momentos
em que passou no internato Hailsham, uma escola lírica com ênfase nas artes e
em uma vida idílica, entretanto todos os alunos de Hailsham são clones cujo
único objetivo é chegarem a fase adulta para doarem seus órgãos como
verdadeiras peças de reposição, os alunos de Hailsham não terão direito à existência, mas serviram em prol de um “bem maior” para o corpo social, tendo
em vista que os alunos são clones logo não são seres possuidores de direitos.
Fora da ficção, não é novidade que ao longo da história buscou-se legitimar
discursos segregacionistas através do uso de termos médicos e racionais, seja
no processo de eugenia no século XIX ou em um artigo de Olavo de Carvalho, para
compreender esses discursos torna-se necessário realizar uma inquirição no
Positivismo Filosófico de Auguste Comte.
2 — Introdução ao Positivismo
Em meio a uma série de transformações sociais, iniciadas
quando três séculos antes Copérnico descobriu que à terra não era o centro do
universo, o francês Auguste Comte, escreve o “Curso de Filosofia Positiva”, uma obra monumental dividida em seis
volumes que disserta acerca dos fundamentos do “Positivismo” e a teoria dos
três estados. Nessa obra, Comte descreve o verdadeiro “Bildungsroman” (romance
de formação) da humanidade, Goethe revolucionou ao escrever em “Os Anos de
Aprendizado de Wilhelm Meister”, um herói em formação, narrando da infância até
chegar a maturidade, assim faz Comte ao definir a Lei dos Três Estados.
A infância da humanidade seria o estado
“Teleológico”, momento no qual as sociedades recorreriam às explicações
sobrenaturais para explicar aquilo que não consegue entender, a mocidade seria
o estado “Metafisico”, um momento de transição onde as entidades sobrenaturais
dão espaço para conceitos abstratos. Por fim, a maturidade das sociedades seria
o estado “Positivo”, o momento no qual a razão deixaria de cair em divagações
metafísicas e buscaria somente as leis dos fenômenos com o desejo de confirmar
ou não a validade das teorias, ou seja, aceitar aquilo que está posto e buscar
exclusivamente o conhecimento que permita o progresso social.
3 — A legitimação da
barbárie
Ante o exposto, identificamos que as
teses de Comte encontram espaço para perigosas construções discursivas no
âmbito de legitimar praticas segregacionistas em nome do “progresso” e do bem
maior do corpo social, será tomado como exemplo desses perigosos discursos: o
Movimento Eugenista e o artigo escrito por Olavo de Carvalho que foi debatido
em aula.
Em primeiro lugar, o Movimento eugenista origina-se na
Inglaterra, mas tem grande influência no final do século XIX e início do século
XX em diversos países — incluindo o Brasil —, esse movimento pregava a “melhoria” da raça humana
através da seleção genica e da esterilização das populações tidas como
inferiores para permitir uma melhoria da sociedade. Nesse sentido,
identificamos o forte caráter positivista dessa tese ao alinhar a necessidade
de um progresso social a partir da eliminação de determinados grupos, os
eugenistas negavam qualquer caráter preconceituoso e gostavam de reforçar o caráter
meramente cientifico de suas teses
Já no texto “Mentiras Gays”, de Olavo de
Carvalho, o discurso concentrasse na capacidade de contribuição da comunidade
LGBTQIA+. Segundo Olavo, essa comunidade não pode ser detentora de direitos que
as protejam da descriminação ou de direitos iguais aos dos casais
heterossexuais, tendo em vista que por serem uma comunidade onde suas relações
sexuais não têm por objetivo a reprodução, mas somente a “satisfação do
prazer”, desta forma, são pessoas que não contribuem para a continuidade do
corpo social as excluindo automaticamente do rol dos direitos, para o “filósofo”
a proteção à comunidade LGBT deve se resumir a mera positivação em lei sem
qualquer estatuto especial. Observamos que Olavo busca um elemento “racional”
para justificar a exclusão da comunidade LGBTQIA+, e encontra esse elemento nas
teses do progresso social do positivismo.
4 — Conclusão
A obra de Kazuo Ishiguro é sensível e humana, lida com o
dilema existência daqueles que foram escolhidos para serem sacrificados, a
busca pelo progresso indiscriminadamente não nos torna mais humanos se ao longo
do caminho negarmos a nossa própria humanidade. Auguste Comte foi pioneiro ao
propor a necessidade de uma ciência voltada para o social, deste embrião surgiram as Ciências Econômicas, a Sociologia e o Direito. Por fim, que a busca
pelo progresso se concilie com o sentido humano que almejamos.
Luís Gustavo da Silva - 1º ano de Direito/Matutino.
Luís Gustavo da Silva - 1º ano de Direito/Matutino.
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