Pais escalam escola para passar cola a filhos.
Fonte: AP Photo/Press Trust of India.
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Em março deste ano, na cidade de Hajipur, Índia,
pais foram flagrados passando cola para filhos durante o exame final nacional do
ensino secundário. Pelas fotos que circularam pelo noticiário internacional,
nota-se que os parentes não mediram esforços nem riscos na tentativa de garantir
a aprovação dos estudantes; o episódio se repetiu em várias cidades do país. Boa
nota dá a esperança de o aprovado continuar seus estudos e, quem sabe, melhorar
sua condição de vida. A trapaça evidencia como o ensino atual,
independentemente do país, se distanciou do modelo de escola vislumbrado pelo
sociólogo francês Émile Durkheim, que reuniu seus pensamentos sobre a função do
ensino na obra Educação e sociologia, de 1922.
Para Durkheim, a vida em sociedade prospera desde
que seus indivíduos pensem no coletivo. O indivíduo socializado permite a manutenção
do conjunto coeso. A socialização ocorre a partir da família; mas é na escola
que a criança é capturada pelos mecanismos que transmitem os fundamentos do viver
coletivamente e que permitem, assim, a formação da base para que ela viva em
sociedade. A inserção de cada uma ao grupo reforça a homogeneidade da sociedade
e garante sua perenidade. A família é o primeiro e inevitável estágio da socialização.
A escola, para Durkheim, é a “sistematização da socialização” para a posterior
inserção do indivíduo disciplinado ao conjunto. Cidadão educado de acordo com
valores e instrução necessários para que tenha sua função no coletivo, sob pena
de ser e de se sentir excluído do grupo.
“A educação é a ação exercida, pelas gerações
adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida
social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de
estados físicos, intelectuais e morais (...). A educação consiste em uma
socialização metódica da jovem geração.” (Educação e sociologia, p. 51).
Na concepção de Durkheim, o homem se realiza na vida
coletiva e, para isso, além de pensar no grupo, ele deve respeitar regras impostas
pela sociedade para controlar seus instintos. Há, nessa visão, mecanismos
de integração, que promovem a solidariedade entre os homens, e mecanismos de
regulação, que mantêm a ordem entre eles. A escola tem duplo papel: disciplina
e integra a criança à sociedade. A rotina escolar embute na criança a regularidade
e o respeito às normas para o imprescindível equilíbrio individual; como
recompensa, o indivíduo terá os meios para buscar a realização na coletividade.
O fato ocorrido na Índia reforça a percepção geral
de que não transmitimos mais às novas gerações os princípios que mantêm a integração
social. Para os pais e estudantes indianos, a trapaça da cola se justifica pela
possibilidade de ascensão social decorrente de mais anos de estudo no
currículo. O que não deixa de ser verdade em uma sociedade que valoriza,
sobremaneira, o espírito individualista ao invés do coletivo. Nessa arena de
competições, o indivíduo se sobrepõe às normas. Apesar das deficiências do
ensino, podemos vislumbrar algum progresso quanto à instrução formal dos adolescentes aprovados. Mas não podemos nos enganar quanto à impossibilidade de disciplina
e de integração desses jovens à sociedade via sistema educacional. Os valores
da sociedade para o convívio funcional e harmônico entre os indivíduos se
converteram em busca por benefícios próprios. A realização dos homens se transfere da
vida coletiva para a ilusão individualista.
Referências:
DURKHEIM, E. Educação e sociologia. São Paulo:
Edições Melhoramentos, 1975.
Vídeo sobre Émile Durkheim da UNIVESP TV. Estudo da
doutora em Filosofia Raquel Weiss: o menor município do Brasil, Águas de São
Pedro, como “laboratório” para observação das relações sociais. Participação do
sociólogo Gabriel Cohn, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo.
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