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sábado, 11 de dezembro de 2021

O direito e a questão da raça

    Boaventura de Souza Santos e Sara Araújo apontaram em seus trabalhos a existência de um direito hegemônico ocidental que possui como principais características o universalismo normativo, a desconsideração das particularidades de cada local e também a contribuição para a reprodução do capitalismo. Para esse direito a questão da raça e seus desdobramentos não é algo importante, uma vez que na visão por este aplicada, os negros são objetos que durante muito tempo possuíam valor de mercadoria, “seres humanos não humanos”.

    Nesse sentido, é preciso relembrar que o processo de colonização no Brasil e na América como um todo, foi marcado pela presença de mão de obra escrava trazida do continente africano. Durante esse período, o negro foi transformado em moeda, deixando de ser visto como um sujeito e passando a ser tratado como “uma figura pré-humana incapaz de superar a sua animalidade [...]” (MBEMBE, p.39, 2014). A validação dessas ideias veio a partir da fabricação de legislações e teorias científicas - até mesmo religiosas -  a partir da razão branca, que também buscava a ratificação da existência das raças e uma hierarquia entre elas. 

É perante esse contexto, que a diferenciação racial faz com que os negros fossem destitui dos de suas condições cívicas “pela consequente exclusão de privilégios e de direitos assegurados aos outros habitantes da colônia.” (MBEMBE, p.42, 2014). Com esse processo de construção da incapacidade jurídica, o negro perde o direito de recorrer aos tribunais, sendo apontando como uma “não-pessoa do ponto de vista jurídico.” (MBEMBE, p. 42, 2014)

Com a abolição da escravidão e o fim das relações entre metrópoles e colônias, as mesmas questões de heterogeneidade e diferença são trazidas atona, enquanto as novas elites “se apropriam da ideologia da mestiçagem para negar e desvalorizar a questão racial” (MBEMBE, p. 35, 2014). Estas, tentavam apagar e pormenorizar a contribuição dos negros no desenvolvimento histórico da América. Além disso, depois de todo esse processo de inferiorizarão, objetificação e animalização desses indivíduos, nenhuma medida de auxílio lhes foi prestada. 

Dessa maneira, é possível perceber como o direito hegemônico funciona, sendo ele capaz de validar todas as ações, por mais brutais que sejam, que contribuam para a reprodução do capitalismo. A partir do momento em que o negro deixa de ser uma mercadoria valiosa, essa força dominante contribui para a marginalização desses indivíduos, buscando ignorar os danos à eles feitos e não realizando nenhuma medida de reparação pelas lesões feitas ao longo de vários séculos. 

Assim, os contextos históricos podem ter mudado, mas a realidade ainda é a mesma: o direito predominante não se importa com a questão da raça. Na atualidade, principalmente durante a pandemia, foram as periferias - nas quais se encontram grande parte da população negra - que o vírus da Covid-19 mais se espalhou e fez vítimas. Ademais, devido a essas diferenças discriminatórias, esses indivíduos não puderam ficar em casa, se isolarem, se protegerem ou terem uma noção correta sobre o que estava acontecendo. É devido a uma negligência organizada por parte do Estado, com a condescendência do direito em um fenômeno conhecido como racismo estrutural, que essa população é a mais vulnerável seja juridicamente,  com a ausência da efetivação de direitos, seja economicamente - graças às desigualdades provocadas pelo capitalismo.    

Por fim, em concordância com o pensamento de Boaventura, Sara e Achille Mbembe, uma alternativa a essa hegemonia existente no sistema jurídico, a ideia de um pluralismo jurídico surge como uma esperança para a mudança. Abandonar a razão branca e os ideais ocidentais de universalização de direitos que favorecem apenas o capitalismo, pode ser vista como uma possível maneira de combate ao racismo estrutural e também uma forma de valorizar a questão da raça, colocando-a em debate na sociedade. Através desse olhar conferido por meio de diversos mundos diferentes, busca-se uma efetivação de direitos e políticas públicas que de fato são igualitárias, atendendo, de forma específica, esses grupos historicamente discriminados na nossa sociedade.  



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014.



Ana Beatriz da Silva - 1º Ano de Direito - Diurno 


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