Desde
a década de 1970, o mundo vem presenciando um avanço do pensamento neoliberal.
O neoliberalismo tem como princípios principais a flexibilização das leis e
relações trabalhistas, o processo de terceirização e a não intervenção estatal,
com exceção de épocas de crise, na qual a economia, ou melhor dizendo, o
capital pede, suplica e obriga o Estado a lhe prestar socorro. Com as crises do
século XXI, principalmente a que vivenciamos hoje, o pensamento neoliberal
ganhou enormes proporções dentro da sociedade, sendo tomado por alguns grupos
sociais como a salvação para a crise, o que levou o mundo – principalmente o
Ocidente – ao estado de austeridade e do direito de exceção. É nesse contexto
que deve-se analisar, portanto, a decisão do STF de considerar a terceirização
da atividade-fim como constitucional.
Segundo
António Casimiro Ferreira, o estado de austeridade se caracteriza pelo processo de implementação de políticas e de
medidas econômicas que conduzem à disciplina, ao rigor e à contenção econômica,
social e cultural, sendo ele causado principalmente pelo medo e a desilusão. O
que tem como consequência direta o direito de exceção, que se caracteriza pelo
sacrifício de direitos já conquistados, isto é, ironicamente dizendo, ao
sacrifício dos “excessos” do passado. Assim, tem-se como resultado disso, nas
relações laborais, processos reformadores do direito trabalhista que levam à
sua flexibilização e ao desrespeito tanto aos direito adquiridos como às noções
implementadas pelas OIT já inseridas no costumes da sociedade.
Além disso, tem-se, como consequência desses
processos, a subordinação de trabalhadores
individuais, de governos e até mesmo de sociedades inteiras ao ritmo dos
mercados do capitalismo global, além do processo de precarização do trabalho e
da naturalização das desigualdades. Logo, conclui-se que o par estado de
austeridade e direito de exceção se caracteriza pela ideia de que o povo,
principalmente o trabalhador, deve pagar pela crise, mantendo a dicotomia
classe dominante e classe dominada.
Portanto, a decisão do STF vai em direção da
implementação do estado de austeridade e do direito de exceção. Ao privilegiar
princípios como a livre iniciativa e da livre concorrência, o guardador da
Constituição acaba por menosprezar princípios como a dignidade humana e
normatizar desigualdades sociais entre patrões e trabalhadores, o que não
deveria ocorrer já que o princípio da dignidade humana é considerado pela norma,
pela doutrina e pela jurisprudência como o princípio básico da unidade do nosso
ordenamento jurídico.
Em meu entendimento, como mera aluna de
Direito, ao realizar a técnica de sopesamento e de ponderação de interesses (já
que o que ocorre aqui é um conflito de princípios constitucionais), o STF
deveria ter seguido a direção do princípio da dignidade humana, constatando,
portanto, a inconstitucionalidade da terceirização da atividade-fim. Isso porque em nosso
sistema capitalista não há como dissociar o trabalho da dignidade humana, e o
processo de terceirização do trabalho tem como principal consequência, já
constatada em inúmeras situações, a precarização do trabalho, o que gera o
aumento da desigualdade social e a marginalização do trabalhador.
Além disso, é importante destacar que não há como dissociar dignidade
humana e atividade laboral devido à noção de honra relacionada ao trabalho
implementada pela cultura protestante na sociedade ocidental – processo evidenciado
por Max Weber na obra A ética protestante
e o espírito do capitalismo. Assim, o trabalho nunca deveria ser entendido
como mera mercadoria – entendimento esse, porém, implícito na decisão do STF e
que naturaliza as desigualdades sociais.
Bianca Garbeloto Tafarelo - 1º ano Direito - Matutino
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