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quinta-feira, 24 de outubro de 2019

A constitucionalização da atividade-fim como forma de naturalização das desigualdades


Desde a década de 1970, o mundo vem presenciando um avanço do pensamento neoliberal. O neoliberalismo tem como princípios principais a flexibilização das leis e relações trabalhistas, o processo de terceirização e a não intervenção estatal, com exceção de épocas de crise, na qual a economia, ou melhor dizendo, o capital pede, suplica e obriga o Estado a lhe prestar socorro. Com as crises do século XXI, principalmente a que vivenciamos hoje, o pensamento neoliberal ganhou enormes proporções dentro da sociedade, sendo tomado por alguns grupos sociais como a salvação para a crise, o que levou o mundo – principalmente o Ocidente – ao estado de austeridade e do direito de exceção. É nesse contexto que deve-se analisar, portanto, a decisão do STF de considerar a terceirização da atividade-fim como constitucional.
Segundo António Casimiro Ferreira, o estado de austeridade se caracteriza pelo processo de implementação de políticas e de medidas econômicas que conduzem à disciplina, ao rigor e à contenção econômica, social e cultural, sendo ele causado principalmente pelo medo e a desilusão. O que tem como consequência direta o direito de exceção, que se caracteriza pelo sacrifício de direitos já conquistados, isto é, ironicamente dizendo, ao sacrifício dos “excessos” do passado. Assim, tem-se como resultado disso, nas relações laborais, processos reformadores do direito trabalhista que levam à sua flexibilização e ao desrespeito tanto aos direito adquiridos como às noções implementadas pelas OIT já inseridas no costumes da sociedade.
Além disso, tem-se, como consequência desses processos, a subordinação de trabalhadores individuais, de governos e até mesmo de sociedades inteiras ao ritmo dos mercados do capitalismo global, além do processo de precarização do trabalho e da naturalização das desigualdades. Logo, conclui-se que o par estado de austeridade e direito de exceção se caracteriza pela ideia de que o povo, principalmente o trabalhador, deve pagar pela crise, mantendo a dicotomia classe dominante e classe dominada.
Portanto, a decisão do STF vai em direção da implementação do estado de austeridade e do direito de exceção. Ao privilegiar princípios como a livre iniciativa e da livre concorrência, o guardador da Constituição acaba por menosprezar princípios como a dignidade humana e normatizar desigualdades sociais entre patrões e trabalhadores, o que não deveria ocorrer já que o princípio da dignidade humana é considerado pela norma, pela doutrina e pela jurisprudência como o princípio básico da unidade do nosso ordenamento jurídico.
Em meu entendimento, como mera aluna de Direito, ao realizar a técnica de sopesamento e de ponderação de interesses (já que o que ocorre aqui é um conflito de princípios constitucionais), o STF deveria ter seguido a direção do princípio da dignidade humana, constatando, portanto, a inconstitucionalidade da terceirização da atividade-fim. Isso porque em nosso sistema capitalista não há como dissociar o trabalho da dignidade humana, e o processo de terceirização do trabalho tem como principal consequência, já constatada em inúmeras situações, a precarização do trabalho, o que gera o aumento da desigualdade social e a marginalização do trabalhador.
Além disso, é importante destacar que não há como dissociar dignidade humana e atividade laboral devido à noção de honra relacionada ao trabalho implementada pela cultura protestante na sociedade ocidental – processo evidenciado por Max Weber na obra A ética protestante e o espírito do capitalismo. Assim, o trabalho nunca deveria ser entendido como mera mercadoria – entendimento esse, porém, implícito na decisão do STF e que naturaliza as desigualdades sociais.


Bianca Garbeloto Tafarelo - 1º ano Direito - Matutino

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