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domingo, 20 de agosto de 2017

O indivíduo-coisa

Émile Durkheim, um dos pioneiros do pensamento sociológico enquanto ciência, tem como seu objeto central de estudo os chamados Fatos Sociais: tudo aquilo que é coletivo, coercitivo e exterior aos indivíduos, independendo desses para existir. Deste último, transcorre sua tese de uma sociedade que precede e determina a dinâmica dos indivíduos, sendo até mesmo os comportamentos individuais meros hábitos forjados pela dimensão coletiva. Sua compreensão de sociedade, por sua vez, é organicista, isto é, o conjunto social é tido como um organismo, dotado de partes, que está inclusive suscetível a patologias – anomias que fogem à normalidade, comprometendo a coesão social e seu equilíbrio.
Apesar de um pensamento ainda carregado de “positivismos”, ora minimalista no abreviar a tudo e todos a “coisas” – os fatos sociais −, deve-se reconhecer a grandeza – e até genialidade − da percepção de Durkheim quanto à preponderância do todos perante o cada um, da sociedade perante o individuo, dos códigos de comportamento ante as individualidades. O infame “cada um é arrastado por todos” vem a explicitar, sintetizar e dilatar o quanto um imaginário ou hábito se engendra num grupo de pessoas, cria raízes e passa a ter sua vivência independente de proveitoso ou positivo para a sociedade, acabando eventualmente por vendar o bom senso e discernimento social.
Assim como elucida o filme “A Onda”, em sua primeira versão, no qual o Professor de História Burt Ross, ao se deparar com o inconformismo dos alunos diante das atrocidades nazistas – não compreendiam como aquilo pudera ter acontecido −, arrisca um ensaio pedagógico, cultivando um movimento de nome homônimo ao filme, do qual é líder, tem saudações e símbolo gráfico. Implicação foi que os alunos passaram a obedecer cegamente a todos os preceitos do movimento, não se admitindo qualquer discordância ou dissidência, levando a animosidades e chocando com o cotidiano da comunidade escolar.

Desse filme faz-se a confabulação com a consciência coletiva de Durckeim e com qualquer outra ditadura ou movimento que prescinde de supressão de liberdades individuais em prol de qualquer outra coisa invariavelmente menos importante. Assim, veem-se os perniciosos – e perfeitamente possíveis – desdobramentos do pensamento exacerbadamente focalizado no coletivo, que faz dos indivíduos meras peças de um tabuleiro arbitrário. Durkheim fora genial em sua constatação, mas omisso ao corroborar com um modelo de “imposição de visões e comportamento aos quais não se chegaria espontaneamente”. Acaba certamente por adornar a frase “que sorte para os ditadores que os homens não pensem”, do afamado Adolf Hitler.

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