O sol estava forte e escaldante. O ponteiro
do relógio de pulso marcava 15:17 e o dono do pulso se movimentava rapidamente
em direção ao banco. Olhares tortos o fitavam enquanto vozes surdas murmuravam,
passando pelo guarda-chuva em sua mão direita. Sentia-se inacreditavelmente
estúpido por ter dado ouvidos à esposa que dissera-lhe que iria chover. O terno
acumulava um calor insuportável e a gravata o enforcava. Mas agora já não mais
importava. Estava passada a metade do caminho e se não continuasse a se mover
rapidamente chegaria atrasado.
Dobrou duas esquinas e vislumbrou o parque.
Estava próximo. Viu, displicentemente, um carrinho de sorvetes cercado por
crianças e sentiu o ressoar do sino. Sem gastar tempo com futilidades continuou
o movimento rápido cruzando-o em direção a seu destino. Estava no centro do
parque, quando ouviu um barulho seco, seguido por um grito úmido. Olhou ao redor,
mas não era capaz de distinguir os fatos em meio à confusão. Atirou-se ao chão
e buscou abrigo sob um banco de madeira enquanto os tiros se intensificavam.
Estava tudo barulhento demais e o caos havia se instaurado. Em meio a toda
aquela confusão, somente uma coisa passava pela cabeça de Mike... “definitivamente
chegaria atrasado”.
Passados alguns minutos, ouviu o silêncio. Ergueu
os olhos e viu que a confusão se dissipara. Pôs-se novamente em pé no centro do
campo de batalha, checou o relógio e correu até se deparar com um obstáculo em
seu caminho. Um corpo pequeno, de pés nus, e um sorvete sabor sangue.
Ficou parado, sem saber o que fazer e sem
saber o que pensar. Não que fosse a primeira vez (nunca era), mas jamais sabia
como lidar com o fato, não importava quantas vezes se repetisse. “Que espécie
de sociedade era aquela? ”. Não sabia responder. Agora que parava para pensar,
não havia muita coisa que soubesse responder. Sabia onde ia e sabia que tinha
que chegar, mas não sabia o porquê. Sabia, logicamente, que precisava daquele
emprego, e chegar atrasado à entrevista não ajudaria, mas “porque precisava do emprego?
”. Um corpo jazia em sua frente e “tudo se resumia a dinheiro? ”. Mike não era
assim. Se importava com a curta vida, sem tempo suficiente para ter sido
vivida, que se perdia à medida que a poça de sangue aumentava e o sorvete
derretia. “Até que ponto dinheiro valeria mais que a própria vida? ”... “Droga!
”. Precisava chegar ao banco. Era imposto a ele. Precisava do emprego,
precisava do dinheiro... precisava fazer parte do sistema. A vontade da
Sociedade era infinitamente maior do que a dele, e Mike era uma engrenagem que
precisava funcionar. Se chegasse atrasado, não conseguiria o emprego, e sem o
emprego seria punido. As leis da Deusa Sociedade eram implacáveis e suas
sanções atrozes. Precisava ceder ao seu caráter coercitivo... precisava ser
aceito.
Afastou de si toda aquela idiotice
reflexiva existencialista e se pôs, novamente, em movimento. “Todo mundo sabe
que pensar é inútil. Quanta idiotice.... Onde eu estava com a cabeça? ”. Terminou
de cruzar o parque e avistou o banco, aguardando no final da rua. “Gastei tempo
demais com essas bobagens. Tempo é dinheiro...”. Pensava enquanto checava o
relógio, agora trincado. “Todos sabem que pensamentos individuais são
execráveis. Além de dolorosos e a mais completa perda de tempo. Sem mencionar
pecaminosos... Que a Deusa me perdoe! ”. “E que seja feita a vontade de nossa
Mãe Sociedade! ”...
Mike sentiu um vento frio após pronunciar
as últimas palavras. Olhou ao redor e percebeu olhos tortos julgando e vozes
surdas murmurando. Buscou ajuda no braço direito, mas percebeu que estava
vazio. “Devo tê-lo deixado cair no parque”. O terno emprestado, agora estava
ensopado e não mais somente a gravata enforcava.
A
chuva caia e molhava um homem parado em frente a um banco, fuzilado por olhares
de desaprovação. A água lavava uma poça de sangue e um sorvete derretido,
contaminado por sua vermelhidão. A Sociedade se banhava indiferente aos
indivíduos. Nada importava. O céu desabava...
Abner Santana de Oliveira- 1º Ano, Direito Noturno.
Abner Santana de Oliveira- 1º Ano, Direito Noturno.
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