Com a relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, fez possível no Brasil a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos. Insta ressaltar que a decisão não descriminalizou o aborto, mas, apenas, não considerou que a interrupção da gestação de fetos anencéfalos não se enquadra como aborto, tendo em vista que não há esperança para a continuidade da vida desse feto. Nas palavras do relator: "Aborto é crime contra vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal".
Contudo, até a tomada de decisão ocorreu intenso debate, cujo teor apresentou as mais variadas sortes. Primordialmente, foram dados argumentos religiosos, ferindo, portanto, a laicidade estatal. Além, como afirma Bourdieu, o Direito deve evitar o instrumentalismo, isto é, a característica de servir de ferramenta para a classe dominante. No caso, não há classe dominante, mas, sim, classe majoritária: os religiosos. É sabido que o número de cidadãos que não possuem credo é imensamente inferior àqueles possuidores de qualquer tipo de crença religiosa. Ademais, o sociólogo francês afirma que o Direito deve evitar o formalismo.
Não obstante, o autor é enfático ao relatar que existe uma ilusão da independência do Direito em relação ás forças sociais e externas. Tratando-se da ADPF 54, é inviável crer que não houve juízo de cunho ético por parte dos ministros, suas crenças pessoais e, forçosamente, os valores que carregam foram fundamentais para a decisão. Porém, deve-se ter em mente que, apesar de tudo, a decisão é jurídica, por isso, valores pessoais não podem exercer grande influência.
Assim, a análise deste julgado sob a ótica desse autor especificamente promove intenso debate, das mais variadas sorte. No que tange á utilização do Direito, a como as decisões são obtidas e, mais importante, qual é o espaço em que o Direito deve agir.
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