Bourdieu
ao tratar do campo jurídico, questiona o fato de o Direito se encontrar ora
como instrumento ora como formalismo. Com isso, traz a questão do Poder Simbólico,
e o defini como o poder invisível que pode unicamente ser exercido com a
cumplicidade daqueles que sob eles estão sujeitos ou mesmo aqueles que o exercem.
Assim, podemos observar a decisão do Supremo que declarou a
inconstitucionalidade segundo a qual a interrupção da gravidez do feto anencefálico
é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código
Penal. Assim, por maioria o STF decidiu que não é crime interromper a gravidez
em caso de anencefalia. Ligando isso ao pensamento do sociólogo, nos
questionamos até onde o poder simbólico pode determinar o que é vida e o que
não é vida. Não são médicos, ou seja, especialistas da vida humana falando, são
operadores do Direito.
Levantando o questionamento sobre
direito como instrumento de Bourdieu, podemos relacioná-lo com o voto do
Ministro Lewandowski que defende que o SFT só pode exercer o papel de
legislador negativo, tendo em conta o princípio da intervenção mínima. Diz
ainda que existem vários diplomas infraconstitucionais em vigor no País que resguardam
a vida intra-ulterina. Consequentemente, se fosse declarada procedente a ADPF
54, estes outros também teriam de ser vistos como inconstitucionais, “quiçá
mediante a técnica do arrastamento, ou, então, merecer uma interpretação
conforme a Constituição, de modo a evitar lacunas no ordenamento jurídico”.
Termina dizendo que a competência para decidir a questão é do Legislativo, e
não do Judiciário.
Ainda sobre a instrumentalização
do Direito, Bourdieu diz que precisamos pensar o campo do direito desprendidos de
determinadas formas de interpretação social. Isso porque, muitos interpretam que o direito está a
serviço da classe dominante, sendo apenas um instrumento. Porém, isso não é
inteiramente verdade, pois, o Direito não tem autonomia frente a qualquer
pressão social. Ele está sempre dentro do limite, limite este que é definido
pelo seu Campo, não sendo um instrumento de dominação, mas também não sendo autônomo
no que diz respeito às pressões sociais, há um fio muito fino, onde as pressões
jogam a isca, mas o peixe ainda está longe de seu alcance.
Está longe, pois não está ainda
dentro do Campo; ou seja, dentro do espaço real ou imaginário que se distingue por
meio da linguagem, códigos e valores. É dentro do Espaço dos Possíveis que as
mudanças ocorrem, os operadores do Direito a trazem. As lutas vêm de fora, são
externas. Entretanto, os ministros não são imunes às discussões, elas fazem
parte do recurso que cada um traz, fazem parte de seu capital simbólico. De tal
modo, eles colocam em forma o reflexo da dinâmica social, são os intérpretes
finais do sentido da forma. Isso porque as lutas sociais precisam se formalizar
para se materializarem dentro do Direito. Isso fica evidente quando observamos
a clara mudança da linguagem de uma luta que acontece na rua, comparada a mesma
dentro do STF.
Assim sendo, notamos que a força
interna do campo utiliza-se de sua autonomia para mudar a linguagem, para
padronizar as lutas sociais dentro da lógica interna do campo. O direito matematizado,
está respondendo a esta lógica interna, antes de responder uma lógica social.
De modo que até certo ponto tem elementos autossuficientes para responder a si
mesmo, não importa se a população quer pena de morte, isso não está para
discussão. É uma ciência de homens proeminentes, por outro lado ela é a moral é
o que é justo, é o que cabe obedecermos ao que é certo, dentro do que a
normatividade diz.
Com
isso, nos questionamos até onde o Direito pode ir como Ciência, há vida? Pode haver
aborto? Dentro dos possíveis até onde a moral alcança a razão? O que chama atenção
é o fato de somente um tipo muito específico de aborto esta em discussão, e
isso porque somente este se encontra dentro do espaço dos possíveis. Assim, o
aborto está preso ao espaço dos possíveis jurídico. Os anseios sociais são
postos em forma e em fila. Deste modo seria possível dizer que há emancipação
dentro do espaço dos possíveis, mesmo este sendo limitado? Ou será que o STF
faz o papel da justiça dentro de uma população que se diz a favor da vida,
contra o aborto, mas prega que “bandido bom é bandido morto”? Até que ponto a opinião
pública deve influenciar?
Gabriela Gandelman Torina
1 ano Direito Noturno
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