Um
assunto ainda muito polêmico, e que gera varias divergências quando abordado, é
o do aborto de fetos anencéfalos. Segundo a ADPF 54/DF citada como caso base,
coube à instância judiciária decidir sobre o caso do aborto requerido comprovada
a anencefalia. É possível, com os avanços tecnológicos e médicos da atualidade,
garantir com total certeza os resultados de testes que comprovem o caso da má-formação
por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, sendo assim, o
feto não tem sua formação cerebral completa e não pode ser considerado
plenamente saudável.
Como
o que se encontra no ventre da mulher é um feto que, de todas as maneiras, já
não mais possui vida, ou, se realizado o parto, não sobreviverá por mais de
algumas horas, a decisão da continuidade da gravidez deve ser tomada pela mãe
que o carrega. É importante ressaltar tal importância, pois, continuada a gravidez
em tal caso, a mulher carregará por nove meses um feto que sabe que não
conseguirá sobreviver, causando dor, angustia, sofrimento, aumentando os riscos
de desenvolvimento ou agravamento de depressão; quando se negligenciam tais
casos é posto de lado o direito da mulher de livre escolha sobre seu corpo,
colocando em risco também sua saúde física e mental, além de outras
complicações.
Todo
o argumento para a continuidade da gestação está baseado no Código Penal
brasileiro, já muito obsoleto para a época na qual é aplicado, pois, quando
elaborado, não levava em conta os avanços da medicina que atualmente existem, que
permitem afirmar com certeza o quadro de anencefalia. Além do empecilho legal,
há o religioso, indo contra a premissa de um estado laico, que, supostamente,
coloca a vida como bem maior e superior diante de um caso no qual não há
possibilidade de vida do feto, mas também não leva em conta a qualidade de vida
da gestante.
É
possível relacionar tal caso com algumas teorias elaboradas pelo sociólogo Pierre Bourdieu,
atestando um quadro de judicialização da medicina, no qual foi feita uma
intervenção do judiciário numa questão que a princípio é da área da medicina, sendo
assim, o conceito de vida fica decidido pelo direito, e não ao profissional
médio. No direito, é aplicado o conceito de “habitus”, no qual as opiniões dos
juristas são muito semelhantes entre si, não havendo espaço, muitas vezes, para
mudanças. Mas, com a demanda atual, é possível notar uma ampliação do espaço
dos possíveis, com a expansão dos campos participantes nas decisões. Há também
a condição de proximidade de interesses, o “ethos” compartilhado,
potencializada pela afinidade de “habitus”, que cria um quadro de obstáculos para
a atuação de decisões que tenham pouco respaldo nas estruturas dominantes, por
isso, dado um contexto de sociedade conservadora, é ainda muito difícil mudar
paradigmas em decisões casuais pessoais que geram um debate polêmico.
Por
fim, podemos versar sobre as limitações e características de certos campos que compõem
a sociedade. Dado o caso apresentado, é explicita coparticipação do campo judicial
e do médico, sendo assim, é visto que um campo não está totalmente isolado e
isento de forças externas a seus limites, mas sim, cada vez mais, há uma inter-relação
entre campos diferentes conforme a necessidade da sociedade, e sua modernidade,
que deveriam garantir sempre melhorias sociais.
Júlia
Veiga Camacho
1º
ano direito - diurno
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