Bourdieu foi um sociólogo francês compreendia
a sociedade a partir de campos que se inter relacionam, e ao mesmo tempo
possuem certa autonomia, gerando uma dinâmica própria. Há, de acordo com o
sociólogo, um evidente embate pela ocupação dos espaços.
Para ele, a ciência do Direito deve evitar o instrumentalismo
– ideia do direito a serviço da classe dominante – e o formalismo – ideia do
direito como força autônoma em face das pressões sociais, sendo uma ciência autônoma,
mas ao mesmo tempo ligada a diversos outros campos, devido à concorrência de
forças e lutas simbólicas. Conclui, com isso, que o Direito pode servir como
instrumento para a mudança social apesar de apontar os limites devido às
interpretações, já que elas ocorrem apenas dentro do espaço dos possíveis.
Deste modo, a ADPF 54/DF, que trata
o aborto de anencéfalos como antecipação do parto, diferenciando-a do aborto,
demonstra bem o pensamento de Bourdieu. Este aborda em seu texto “A força do
direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”, os espaços possíveis
na época em que o Código Penal foi sancionado, momento em que não haviam meios
de comprovação da anencefalia. Dessa forma, a medicina foi judicializada:
passou a ser uma decisão não apenas do médico e da gestante, mas também do
magistrado, o qual, dessa maneira, implica no Direito definindo o que é e o que
não é vida.
Ele aborda também a luta simbólica
do campo jurídico, que se dá entre as normas positivadas e os operadores do
direito, além de ocorrer de forma dialética, entre as fontes do direito – a doutrina
e a jurisprudência – e a interpretação, adequação à realidade – feita pelos
juízes.
A relativa autonomia do Direito é
também neste caso percebida, já que o Superior Tribunal Federal depende da
opinião dos juristas e também do laudo médico, ou seja, campos jurídico e
científico. Há, assim, uma interação entre os campos, porém o efeito do campo
jurídico é maior do que os outros, já que são eles que possuem “a palavra final”
sobre a vida e ausência de vida em um feto. No entanto, a legitimidade da
sentença, segundo Bourdieu, se dá pelo uso da razão; isto é percebido ao longo
da ADPF com afirmações como a de que o feto não tem perspectiva de vida fora do
útero.
A problemática no debate se dá pela
discussão pautada na questão “existe ou não vida no feto?”, o que é uma
discussão moral, já que tanto o campo médico quanto o jurídico já possuem
respostas para isso. Vê-se, assim, que o Direito ainda está muito próximo do
espaço possível da moral, mas já avança para a razão, como no argumento do juiz sobre a autodeterminação da mulher.
A legalização do aborto de
anencéfalos seria, assim, o momento de conflito da moral com a razão; seria um
momento anterior que conduziria à legalização do aborto como um todo,
alargando-se o espaço dos possíveis ao abordar também questões como os direitos
da mulher e da disposição do próprio corpo.
Letícia Solia
1º ano - Direito diurno
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