No
Código Penal de 1940 não havia tecnologia para o caso da anencefalia, portanto costumava
ser a gestante quem decidia se realizaria ou não o aborto. O ministro Luís Roberto Barroso,
afirma que a anencefalia é uma má formação congênita que gera como consequência
fetos sem cérebro. É, portanto, uma condição incompatível com a vida extrauterina.
Todas as entidades médicas e científicas que compareceram a audiência convocada
pelo ministro marco Aurélio, confirmaram que o diagnóstico é 100% certo, a
letalidade ocorre em 100% dos casos.
O aborto não é punido em dois
casos: quando não tem jeito de salvar a mãe ou quando a gravidez é corrente de
estupro. Os juristas
e juízes dispõem, em graus diferentes, do poder de explorar a polissemia das fórmulas
jurídicas recorrendo à restrictio (processo
para não aplicar a lei) ou à extensio (processo
que permite a aplicação de uma lei que não deveria ser tomada à letra). Por
fim, o conteúdo prático da lei se revela no resultado da luta simbólica,
relação de força, entre profissionais dotados de competências técnicas e
sociais desiguais. O trabalho da racionalização confere a eficácia simbólica
exercida por toda ação quando reconhecida como legítima. A instrumentalização descreve
que o direito não pode servir de instrumento para classe dominante conservadora.
Bourdieu trata da relevância da
divisão do trabalho jurídico enquanto atividade de interpretação filosófica e
literária do jurista. No caso, fica evidente a atividade hermenêutica realizada
pelos ministros, que expandiram a efetividade e o alcance da norma. Ao mesmo
tempo, os juristas se atentaram para a definição civil, jurídica sobre a vida-
a lei não determina quando ela começa, mas quando termina. Podemos perceber que
a atuação dos ministros se deu dentro do "espaço dos possíveis". Tal
ADPF, além de envolver o campo jurídico, envolve o campo da ciência e dos dogmas.
A permanência do feto anômalo no útero da mãe se mostra potencialmente
perigosa, podendo gerar danos à saúde e ávida da gestante. Considerando também
o princípio da dignidade da pessoa humana, não se deve impor à mulher o dever
de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não
sobreviverá, causando à gestante dor, angústia e frustração, resultando em
violência às vertentes da dignidade humana – a física, a moral e a psicológica
- e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a
saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde. Sendo assim, não
deve competir ao Estado a decisão da realização do aborto.
Bourdieu também afirma que a sociedade está permeada por conflitos constantes em busca de poder e que para garantir a manutenção do poder, seus detentores buscariam camuflar seus interesses de forma que aparentassem ser reflexo dos anseios da sociedade como um todo, através da violência simbólica. A figuração desses interesses como coletivos serve de justificativa para construções ideológicas.
É neste sentido que entra a pretensão de enquadrar o aborto de anencéfalos como crime previsto no código penal, exemplificando violência simbólica, visto que os detentores do poder utilizavam de preceitos religiosos para construir um consenso sobre a realidade, ignorando a laicidade do Estado.
Existem conflitos constantes entre os diversos campos existentes na sociedade, que acabam levando diversos destes campos a disputar a força dentro do espaço social. É neste momento que o campo jurídico ingressa como agente definidor e regulador desses confrontos, sendo marcado pelos outros como o "porta-voz" da razão, da neutralidade e da universalidade. Isso fica visível no julgado, em que o judiciário entrou como agente regulador dos conflitos entre o campo religioso e campo cientifico.
A grande questão da arguição é quando a vida surge. A constituição não prevê o surgimento da vida, apenas o encerramento dela (com a morte encefálica). Sob essa perspectiva, os ministros que votaram contra a sanção da tipicidade de aborto, se apoiaram em preceitos científicos de quando começa a vida. No entanto, a maioria absoluta dos ministros sustentaram seus argumentos também em fatos científicos– a vida de um recém-nascido anencéfalo dura minutos – e em bases constitucionais – aborto de anencéfalo não se enquadra nos artigos de direito penal, pois não chegam a constituir aborto, uma vez que a prática de aborto pressupõe uma potencialidade de vida (que o feto anencéfalo não possui). Portanto, é legitima a decisão do Judiciário, pois as sustentações envolveram a presença de vários campos como o assunto exigia, além de fundamentar-se na Constituição, apesar de haver uma sobreposição de princípios. Assim, mesmo com conflitos éticos-morais de grupos, a decisão não pode ser colocada a prova quanto sua legitimidade, pelo fato que atendeu os valores democráticos.
Para o debate do aborto são utilizados diversos campos como o das ciências médicas e biológicas, bem como questões morais, religiosas, éticas e históricas, que influenciam e se interligam ao campo jurídico, demonstrando como a teoria Kelseniana se equivoca ao dizer que o Direito é completamente independente dos constrangimentos e das pressões sociais. Ele possui, como afirma Bourdieu, uma autonomia sim, mas esta é relativa como demonstra o caso. Contudo, é esta relatividade que permite que ele possua elementos próprios, e em especial no caso da ADPF 54, decida sobre a questão de que se existe vida ou não para um feto anencéfalo, ultrapassando ate mesmo a medicina.
Bourdieu também afirma que a sociedade está permeada por conflitos constantes em busca de poder e que para garantir a manutenção do poder, seus detentores buscariam camuflar seus interesses de forma que aparentassem ser reflexo dos anseios da sociedade como um todo, através da violência simbólica. A figuração desses interesses como coletivos serve de justificativa para construções ideológicas.
É neste sentido que entra a pretensão de enquadrar o aborto de anencéfalos como crime previsto no código penal, exemplificando violência simbólica, visto que os detentores do poder utilizavam de preceitos religiosos para construir um consenso sobre a realidade, ignorando a laicidade do Estado.
Existem conflitos constantes entre os diversos campos existentes na sociedade, que acabam levando diversos destes campos a disputar a força dentro do espaço social. É neste momento que o campo jurídico ingressa como agente definidor e regulador desses confrontos, sendo marcado pelos outros como o "porta-voz" da razão, da neutralidade e da universalidade. Isso fica visível no julgado, em que o judiciário entrou como agente regulador dos conflitos entre o campo religioso e campo cientifico.
A grande questão da arguição é quando a vida surge. A constituição não prevê o surgimento da vida, apenas o encerramento dela (com a morte encefálica). Sob essa perspectiva, os ministros que votaram contra a sanção da tipicidade de aborto, se apoiaram em preceitos científicos de quando começa a vida. No entanto, a maioria absoluta dos ministros sustentaram seus argumentos também em fatos científicos– a vida de um recém-nascido anencéfalo dura minutos – e em bases constitucionais – aborto de anencéfalo não se enquadra nos artigos de direito penal, pois não chegam a constituir aborto, uma vez que a prática de aborto pressupõe uma potencialidade de vida (que o feto anencéfalo não possui). Portanto, é legitima a decisão do Judiciário, pois as sustentações envolveram a presença de vários campos como o assunto exigia, além de fundamentar-se na Constituição, apesar de haver uma sobreposição de princípios. Assim, mesmo com conflitos éticos-morais de grupos, a decisão não pode ser colocada a prova quanto sua legitimidade, pelo fato que atendeu os valores democráticos.
Para o debate do aborto são utilizados diversos campos como o das ciências médicas e biológicas, bem como questões morais, religiosas, éticas e históricas, que influenciam e se interligam ao campo jurídico, demonstrando como a teoria Kelseniana se equivoca ao dizer que o Direito é completamente independente dos constrangimentos e das pressões sociais. Ele possui, como afirma Bourdieu, uma autonomia sim, mas esta é relativa como demonstra o caso. Contudo, é esta relatividade que permite que ele possua elementos próprios, e em especial no caso da ADPF 54, decida sobre a questão de que se existe vida ou não para um feto anencéfalo, ultrapassando ate mesmo a medicina.
Julia
Helena Tury Blumer – 1º ano Direito Noturno
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