A
ADPF 54 alega desrespeito a princípios (como o da dignidade da
pessoa humana, legalidade, liberdade, autonomia da vontade e direito
à saúde) nos casos de proibição da interrupção da gravidez de
anencéfalos. O relator afirma que muitos órgãos vinham utilizando
os art. 124 e 126 do Código Penal, que tratam sobre aborto, em
detrimento da Constituição Federal, para proibir a antecipação
terapêutica do parto no caso de fetos anencéfalos. A Arguição
busca demonstrar que antecipação terapêutica do parto e aborto não
são sinônimos, pois, no primeiro caso, não há expectativa de vida
para o feto. Portanto, configura-se inconstitucional o ato de usar do
Código Penal para classificar este ato como criminoso e foi essa a
decisão do STF.
Essa
decisão se trata de um grande avanço para o Direito brasileiro, mas
ainda há muito para se avançar. As decisões da mulher têm que ser o fator principal, enquanto não prejudicarem a vida do feto. Para a
medicina, até um certo período da gestação, o feto não é
considerado como vida, portanto, nesse período, a decisão da mulher
deveria ser a definitiva. Contudo, pensando-se no quadro brasileiro
atual, em que há muitos conflitos religiosos e morais conservadores
envolvidos, a liberalização do aborto de forma geral não está
dentro do “espaço dos possíveis” pensado por Bourdieu.
Este
autor entende “espaço dos possíveis” como uma adequação entre
a dinâmica social e a lógica interna do campo, o limite
entre a ciência e a moral. No caso do aborto, limite entre a ciência
jurídica e a moral social. Campo, para ele, é o espaço que
constitui uma autonomia relativa, com valores, códigos, habitus,
recursos e capital simbólico específicos. O Direito, por exemplo, é
um campo, e um dos mais importantes, pois é nele que se
define aquilo que normatiza os modos de conduta das pessoas de um
modo geral. Ele
critica Kelsen, pois este afirma que a autonomia do campo jurídico é
absoluta, e não relativa. Bourdieu
argumenta ser relativa, pois há influência de forças externas nas
decisões proferidas dentro do campo jurídico.
Como
exemplo temos a influência da medicina, da psicologia e do
pensamento da sociedade em geral na decisão da ADPF 54 em questão.
Usa-se da medicina para definir a
falta de perspectiva de vida para o anencéfalo; da psicologia para
comprovar os danos causados à mulher obrigada a carregar por nove
meses um feto que sabe que sairá dela morto; e do pensamento da
sociedade em geral para ponderar sobre quais mudanças serão
passíveis de aceitação e quais levarão a uma rejeição total.
Isso demonstra que o Direito não é um campo fechado, mas sim
relativamente aberto a influências externas.
Essas
influências não conseguem penetrar de forma abrangente, pois a
própria hierarquia do campo inibe divergências muito profundas.
Tudo
caminha dentro do espaço dos possíveis, não é possível uma
alteração de conduta internamente, que não terá aplicação
externamente. É preciso ponderar os dois âmbitos, externo e
interno, para se formar uma decisão.
Beatriz Mellin Campos Azevedo - diurno
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