O autor Pierre
Bourdieu afirma ser o Direito parte do poder simbólico; ou seja, parte de uma
força que, apesar de não-materializada concretamente, faz-se existente pelo
poder de normas ou até mesmo fatos que reconhecem um ator ou uma instituição social.
Ainda, defende que não há apenas um poder de classe imposto. No mérito do campo
jurídico, o que o distingue dos demais campos, apresentando uma certa autonomia
– embora não completa – são seus elementos próprios e singulares. A crítica
feita a Hans Kelsen e seus adeptos se apresenta, justamente, por esse viés: há
a falsa percepção de que este campo explica-se por si só, “completamente
independente dos constrangimentos e das pressões sociais, tendo nele mesmo o
seu próprio fundamento” (BORDIEU, 1989, p. 209). A abordagem em relação à ótica
de classe deve ser também destacada. Não há tão-só uma classe burguesa
dominante: o que existem são frações em luta pela dominação. Portanto, em sua perspectiva, não é um
instrumento de classe – pura expressão da dinâmica social e sua evolução –, nem
traduz-se em autonomia plena.
É fato que o Direito
transforma-se de acordo com o processo histórico, em uma necessidade de
adaptação às demandas vigentes e a nova realidade social. Com essa lógica
interna predisposta a mudanças, há a delimitação em cada momento do “espaço dos
possíveis” e, consequentemente, do universo das soluções propriamente
jurídicas. Tem-se uma certa influência e abordagem feita pelo campo jurídico
aos demais campos científicos, à medida que cria um paradoxo de autonomia e
dependência daquele. Se, por um lado, há uma expansão do campo jurídico –
conferindo-lhe certo aspecto autônomo e independente –, por outro, amarra-o a
outros campos, uma vez que, é inevitável uma sujeição à interferência externa
para as própria aplicação.
A ADPF 54/DF, ao
tratar da interrupção da gravidez de feto anencéfalo, retrata que:
Em 17 de junho de 2004, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Saúde – CNTS formalizou a argüição de descumprimento de
preceito fundamental (...) sob o ângulo da admissibilidade, no cabeçalho da
petição inicial, apontou, como envolvidos, os preceitos dos artigos 1º, IV –
dignidade da pessoa humana –, 5º, II - princípio da legalidade, liberdade e
autonomia da vontade –, 6º, cabeça, e 196 – direito à saúde –, todos da Carta
da República e, como ato do Poder Público, causador da lesão, o conjunto
normativo ensejado pelos artigos 124, 126, cabeça, e 128, incisos I e II, do
Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940. Afirmou, mais, que diversos órgãos investidos do ofício judicante –
juízes e tribunais – vêm extraindo do Código Penal, em detrimento da
Constituição Federal, dos princípios contidos nos textos mencionados, a
proibição de se efetuar a antecipação terapêutica do parto nos casos de fetos
anencéfalos.
Há, além disso,
fundamentações em especialistas – no caso, o Doutor Luís Roberto Barroso – para
atestar que a antecipação terapêutica do parto não consubstancia aborto, no que
este envolve a vida extra-uterina em potencial. Sustentou-se no artigo 2º,
inciso I, da Lei nº 9.882/99, que dispõe a legitimação ativa daqueles que “a
têm para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade”.
A questão do
aborto carrega consigo na sociedade brasileira uma expressão dupla de indignação
e tolerância. Nas maioria das vezes em que é praticado, é feito de maneira
secreta: há uma espécie de oposição entre o caráter “público e coletivo” e o
caráter “vergonhoso e clandestino” – tal embate pode referir-se a várias ações
e formas de poder. O próprio autor estudado, ao pesquisar acerca da sociedade
cabila, conjecturou a oposição entre homens e mulheres, entre a sociedade masculina
e feminina: os homens possuem o poder oficial sobre aquilo que é coletivo e
público, enquanto as mulheres detêm um poder “oculto”, oficioso. Pode-se
afirmar, então, que em sociedades tradicionais o aborto é oficialmente
condenado, todavia, oficiosamente tolerado – verifica-se no contexto do
universo feminino, em que a maior parcela dos indivíduos não têm interesse em
tomar conhecimento do fato, preferindo a cegueira perante o ocorrido.
Outro pronto necessário
de ser abordado diz respeito à moral cristã existente e toda sua carga de
influência na forma de pensar e agir de uma grande parcela da população. O
debate, então, fica limitado. Bordieu aborda tal questão como “ethos compartilhado”, que explica a
expressão de certos valores dominantes na sociedade. Soma-se a isso, o efeito
simbólico explicitado anteriormente: há uma certa admiração e reverência dos
cidadãos aos ministros e pensadores do Direito, conferindo a eles um grau de
veracidade e conformidade para com suas opiniões.
Isabelle Elias Franco de Almeida
1˚ ano, direito
(noturno) – aula 3.1
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