“Ninguém se escusa de cumprir a
lei, alegando que não a conhece”, é o que determina o art. 3° da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código
Civil). Entretanto, é de entendimento geral, mesmo por parte da doutrina, que o
conhecimento da totalidade da legislação de um país é impossível para qualquer
cidadão, sendo um juiz de Direito e especialmente sendo um cidadão
juridicamente leigo.
Assim, exemplifica-se o
entendimento de Durkheim sobre o papel do Direito Penal nas sociedades
modernas, em contraposição àquele exercido por ele nas anteriores. A partir do
advento da Modernidade, com a crescente complexização das relações sociais, o
surgimento das mais diferentes funções e especialidades no campo profissional,
o Direito também se torna mais complexo, deixando de fazer parte totalmente das
consciências de todos e cada um dos cidadãos. A gama de crimes se tornou muito
mais extensa, até porque junto com a multiplicação de tipos sociais,
multiplicaram-se os direitos a ser defendidos. Desse modo, seria hipocrisia
esperar que um cidadão comum, ainda que bem instruído, como ,por exemplo um
professor de literatura conhecesse todos os 361 artigos do Código Penal e os
811 do Código de Processo Penal brasileiros.
Ou seja, como explica o autor,
o Direito não está mais determinado por aquilo que a sociedade desaprova. Até
porque, com a especialização do trabalho, os membros da sociedade se tornaram
tão diversos que não existem mais atos aprovados ou reprovados pela totalidade
do corpo social. Cada grupo reivindica diferentes direitos e ações específicas
do poder público, e o que os índios defendem como justo não é o mesmo que os
mineradores; o que os operários esperam não é o mesmo que os executivos; o que
os ruralistas acreditam não é o mesmo que os partidários da reforma agrária, e
assim por diante.
Até por isso Durkheim
acrescenta que o que define a solidariedade (fator de coesão social) nas
sociedades modernas não é mais a homogeneidade social, como o era
anteriormente, mas sim a pluralidade, a variedade. Essa diferença não destrói a
coesão social porque determina uma interdependência entre seus membros; cada
grupo e cada função, enfim, cada órgão desse grande organismo social precisa
dos demais para garantir um equilíbrio, de modo que é necessária uma cooperação
para restabelecê-lo, quando este é abalado por meio da quebra de alguma norma.
Então, esse passa a ser o papel
do Direito: não mais eliminar uma parte do corpo social que se mostra contra a
consciência coletiva, mas restabelecer a ordem imposta pelas normas para tentar
garantir o funcionamento saudável do organismo que representa a sociedade.
Percebe-se, portanto, que não mais cabe a crença num direito natural, diante de
tanta diversidade de crenças: o Direito é forjado pela máquina estatal,
conforme surgem as necessidades e reivindicações de determinados grupos. E já
não cabe mais a totalidade dos cidadãos combater e punir os delitos: cada um
deve se limitar a sua função no mecanismo social, e é ao Estado, como
organizador e executor do Direito, que cabe essa função.
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