Discutiu-se amplamente, neste mesmo espaço acadêmico, a respeito das sociedades pré-modernas, as ditas sociedades primitivas, e sua organização pautada na solidariedade mecânica. Seus reflexos no meio social consistem, sobretudo, em um direito penal predominantemente repressivo como fruto da consciência coletiva passional e movida pelas paixões. Sobre este assunto destacou-se que a ideia de Émile Durkheim não se aplica apenas às sociedades mais simples mencionadas, mas está muito presente em organizações sociais como a nossa, por exemplo, neste ano de 2011.
Paralelamente a isso, a discussão desta semana aborda não a solidariedade mecânica, mas a solidariedade orgânica, a que deve estar presente nas sociedades mais complexas, cuja diferenciação social é maior e vai muito além do grupo familiar. A consciência coletiva passional e colérica é substituída por uma consciência coletiva mais ampla e guiada muito mais pela razão.
A solidariedade orgânica ocorre à medida que a diferença se impõe e tal diversidade deixa de ser um fator de desagregação social e passa a provocar o seu equilíbrio e fortalecimento. Dessa forma, a organização social torna-se, facilmente, um ambiente harmônico, no qual a divisão do trabalho social não se resume a homens exercendo suas funções como meras engrenagens de uma máquina, mas a indivíduos que, sendo diferentes entre si, somam forças e, desempenhando suas funções, colaboram uns com os outros. É dessa cooperação que provém a analogia da solidariedade orgânica com o sistema nervoso, no qual cada órgão tem uma fisionomia própria e regula harmonicamente as funções do corpo.
Salienta-se, principalmente, o papel do direito neste contexto social. É inegável que a consciência coletiva da sociedade moderna passou a ser guiada pela razão e o principal reflexo disso é a nova posição do direito, sobretudo no que tange ao direito penal. A aplicação jurídica nas sociedades modernas (as sociedades dos contratos) passa, assim, por uma expressiva transformação, distanciando-se da emoção e da passionalidade e regendo-se pela técnica; como consequência, o direito, não mais repressivo, torna-se restitutivo.
De fato, o direito é o principal expoente da expressão da razão moderna, pois a racionalidade é evidente na aplicação de sansões restitutivas. Estas têm como intuito a reposição da ordem, a restituição do indivíduo infrator ao mundo funcional, como também ao seu ambiente de trabalho, e não a imposição do sofrimento proporcional ao dano causado, expondo o indivíduo à desonra e valendo-se da penalidade como expiação da culpa.
Como exemplo concreto deste direito restitutivo na atualidade pode-se citar as medidas alternativas para o cumprimento da pena (como o trabalho voluntário e o pagamento de cestas básicas), a recente modificação no Código Penal brasileiro (a que decidiu que quem cometer delito considerado leve só pode ser preso preventivamente se não for possível a aplicação de outra medida, sendo a prisão preventiva a última alternativa) e, até mesmo, o habeas corpus (que permite a saída do detento da penitenciária mediante o pagamento de uma quantia determinada).
Embora, muitas vezes, as medidas citadas ainda sejam alvo de críticas de muitas pessoas que as consideram insuficientes para o indivíduo delinquente “pagar pelo seu crime”, representam a mediação do direito como expressão da razão moderna e um importante passo para a consolidação do direito técnico nessas sociedades mais complexas.
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