Beatriz Grieger
Turma XXXIX – matutino
No filme ‘’O Ponto de Mutação’’ de 1990, uma
das personagens principais, Sonia Hoffman, cita uma ‘’crise de percepção’’ que
assola a contemporaneidade e que, consequentemente, impede que os problemas
enfrentados pela humanidade, como questões relacionadas à mortalidade infantil,
saúde e destruição do meio ambiente, sejam solucionados. Tal crise consiste na
objetivação de intervenção nos problemas e não em sua prevenção, fazendo com
que eles persistam constantemente e não sejam realmente elucidados de forma
definitiva. Entretanto, esta crise não é apenas um fenômeno contemporâneo, mas
também moderno e questionado por filósofos como Descartes e Bacon no século
XVII.
Em sua obra ‘’Novum Organum’’, Francis Bacon
ressalta a necessidade de criação de um novo método científico que seja
racional e permita a apreensão do real para uma possível transformação do
mundo, em contraponto com a filosofia antiga grega, como de Aristóteles, que
era baseada na contemplação da realidade sem a objetivação de sua transformação,
ou seja, Bacon propôs uma crise de percepção entre a ciência da antiguidade e a
da modernidade em relação à sua utilidade. Para o filósofo moderno, esta nova
ciência possibilitaria a intervenção e modificação da natureza pelo homem
proporcionando o desenvolvimento que era almejado pela burguesia da época,
porém para Sonia Hoffman esta intervenção seria maléfica, pois teria
possibilitado uma tortura do planeta pelo homem que persiste atualmente,
gerando, por exemplo, a destruição da Floresta Negra do sudoeste da Alemanha.
Assim como Bacon, Descartes cita a
necessidade de produção de um conhecimento que seja útil em sua obra ‘’Discurso
do Método’’: ‘’ ... apesar de no juízo que faço de mim próprio eu procuro
inclinar-me mais para o lado da desconfiança do que para o da presunção, e que,
observando com um olhar de filósofo as variadas ações e empreendimentos de
todos os homens, não exista quase nenhum que não me pareça fútil e inútil, não
deixo de lograr extraordinária satisfação do progresso que creio ter feito na procura
da verdade e de conceber tais esperanças para o futuro que, se entre as ocupações
dos homens puramente homens exista alguma que seja solidamente boa e
importante, atrevo-me a acreditar que é aquela que escolhi.’’ Ou seja, a ‘’crise
de percepção moderna’’ é, assim como para Bacon, objeto de estudo e crítica
para Descartes que exprime a necessidade de uma razão instrumental como uma
nova maneira de entender a vida acarretando, para Sonia Hoffman, o que ela
denomina como ‘’ visão mecanicista do mundo’’ que seria comumente adotada por políticos
em seus discursos e soluções, porém que nada serviria para a resolução dos
problemas enfrentados pelo mundo, o qual, para Descartes funcionaria como uma máquina,
tal qual o corpo humano. Entretanto, para a personagem, a ciência atual já
teria superado essa visão mecanicista, gerando a necessidade de uma revolução
em seu método, a qual seria a forma possível de superar a ‘’crise de percepção’’.
Observa-se, portanto, que diferentes
contextos e épocas provocam a necessidade de novas ciências que sejam úteis
para os problemas enfrentados em cada período. Assim como os filósofos
pré-socráticos observavam o mundo com o intuito de descobrir sua origem e
composição, como Aristóteles refletia sobre questões metafísicas, Descartes e
Bacon sobre razão instrumental e métodos científicos para atender os problemas
da burguesia em ascensão, Sonia Hoffman defende a necessidade atual de uma ciência
pós-moderna que possibilite a superação de problemas gerados pela ciência
moderna, mecanicista e puramente utilitária. Cada uma dessas ciências
relaciona-se de diferentes formas para com a natureza: as duas primeiras a
contempla, a próxima a usa a transforma e a terceira a salva e reconstrói.
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