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domingo, 12 de dezembro de 2021

O Direito como eco das questões raciais

   

   “Queremos ser livres, fazer a nossa vontade, e a todo o momento arranjamos desculpas para reprimir os nossos desejos“. A frase retirada do romance Mayombe do angolano Pepetela exemplifica fielmente como o racismo encontra-se intrínseco à toda sociedade. Isso, pois, tal preconceito encontra-se sobretudo enraizado no ideário dos próprios negros, os quais, por serem subalternizados durante séculos, acabam por reprimir suas vontades até mesmo inconscientemente, como reflexo da violência até hoje sofrida. Acerca da questão de raça, a palestra apresentada pelo Prof. Dr. Jonas Rafael dos Santos à luz dos pensamentos do intelectual camaronês Achille Mbembe levanta o debate se, para o direito, a questão racial importa?

    Consoante Achille Mbembe, racismo é uma construção histórica a partir de uma relação de poder, que sempre teve como objetivo a subjugação de grupos racializados devido a necessidade de legitimação da superioridade de um grupo em relação a outros. Segundo essa análise, o conceito de raça torna-se o princípio organizador de todo o sistema capitalista, sendo este último dividido em 3 fases, segundo Mbembe. A priori, durante o capitalismo primário a questão racial baseou-se na necessidade de justificativa para a dominação dos povos europeus sobre os negros africanos. É nesse período que o termo “negro” é elaborado pelos brancos, como forma de internalizar a inferioridade do povo africano - que nesse momento era comercializado e escravizado em massa para à América -, já que o capitalismo sempre precisou de subsídios raciais para explorar recursos do planeta. Em suma, o conceito de “raça” não existe enquanto fato natural ou genético, não passando de uma ficção útil criada pelos europeus como projeto civilizatório para justificar a superioridade do homem branco em detrimento ao homem negro. 

    Passados séculos, com a ascensão do sistema neoliberal, as questões raciais em meio ao capitalismo atual ganham novas formas. Nesse ínterim, o Estado neoliberal se instrumentaliza através da necropolítica, a política da “morte”, objetivando criar sempre um inimigo - tal qual os Estados Unidos contra os povos do Oriente médio após o atentado de 11 de setembro. As estratégias de guerra, que antes eram utilizadas no continente africano no contexto de dominação de tais povos, hoje são vistas, por exemplo, nas favelas do Rio de Janeiro, seja por meio do abandono do Estado em relação às políticas públicas de inclusão ou diretamente na presença violenta. Assim, hodiernamente presencia-se uma violência sistêmica contra os negros, que reflete diretamemte nos tribunais.

     Portanto, estando a questão racial intrínseca à formação do sistema desde seus primórdios, pode-se afirmar que, no direito, a temática racial importa sim. A construção histórica do racismo encontra-se atrelada diretamente aos tribunais, sendo provada através de dados, já que, segundo o IBGE, a população encarcerada negra é a maior, correspondendo a 66% do total. Ademais, a violência do Estado perante às “regiões de zoneamento”, isso é, “o não lugar que habita o não ser - negros e pobres” segundo Mbembe, é evidente não só no dia-a-dia brasileiro, como no de todo o mundo. A violência estatal, fruto na necropolítica supracitada, é evidente em massacres como no complexo de favelas do Jacarezinho no Rio de Janeiro, que causou o genocídio de 30 inocentes ou na morte do norte americano George Floyd pela polícia. Logo, o sistema judiciário não passa de um reflexo da sociedade em que está inserido, escancarando inúmeras vezes as injustiças e falhas de uma sociedade até hoje  racista.


Beatriz Ferraz Gorgatti - 1° ano direito matutino 

 

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