A questão sobre raça e o direito é muito discutida por Achille Mbembe em sua obra Crítica da razão negra, com uma visão voltada para as epistemologias do Sul, isto é, aquelas que são inviabilizadas pelos conhecimentos hegemônicos (Norte). Nela, ele contempla a genealogia do termo raça, um complexo perverso e gerador de temores e tormentos. Essa não é um fato natural como muitos pensam, mas uma projeção ideológica cuja função é desviar a atenção de conflitos relevantes, uma construção europeia para justificar a superioridade do homem branco e a inferioridade do negro, esta também uma invenção vinda da europa que tem a função de dominação.
O capitalismo é um dos precursores dessa visão, dado que sua organização se deu com base na raça na fase de acumulação primitiva de capital, no qual era preciso a subjugação de grupos para ter a legitimação de utilizá-los como objetos e de mostrar a sua inferioridade. Com o neoliberalismo, um novo projeto político e econômico que leva consigo novas tecnologias de dominação, não são apenas aqueles vindos da África que sofrem com esse processo, mas todos que que estiverem na zona de precarização, ampliando para os brancos também, mas não na mesma intensidade.
Dessa forma, com a construção da nossa sociedade e as origens do sistema que vivemos, a raça importa nas decisões do direito, visto que efeitos e novas tecnologias de dominação são implementadas a todo momento e as epistemologias do Norte ainda dominam nas decisões de diversos tribunais.
Um julgado que ficou bastante polêmico e é um dos vários exemplos de decisões nos tribunais que avaliam pela raça dos indivíduos, foi o n°0009887-06.2013.8.26.0114 de latrocínio em que a juíza escreve “Vale anotar que o réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido.”. Com essa fala, percebe-se que o oposto do descrito: pele, olhos e cabelos pretos são o estereótipo padrão de bandido, remetendo que características físicas influenciam nos comportamentos delituosos e que pelo jovem ser branco não teria predisposição para o crime.
Esse pensamento também reflete na distribuição de presidiários no Brasil, em que 66,7% do encarcerados são negros, isto é, a cada três presos, dois são negros. O que mostra que decisões como essa ocorrem diversas vezes e que muitas ainda se baseiam na raça dos indivíduos, colocando o branco como um padrão universal e o negro fora do complexo de racionalidade do ser humano, não sendo considerado como um.
À vista disso, Mbembe explica que é importante que a África se responsabilize pelos negros da diáspora, para que remetam a sua história, que possam sentir orgulho dela e desfrutar de seus benefícios. Dessa forma, com o sistema capitalista em vigência e o neoliberalismo sendo aplicado, a raça importa nas decisões do direito, visto que epistemologias do Norte ainda estão muito presentes e a África continua sendo um lugar em que suas contribuições e presença são tidas como inexistentes.
Referências:
https://www.conjur.com.br/dl/juiza-reu-nao-parece-bandido-branco.pdf
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/10/19/em-15-anos-proporcao-de-negros-nas-prisoes-aumenta-14percent-ja-a-de-brancos-diminui-19percent-mostra-anuario-de-seguranca-publica.ghtml
Camila Gimenes Perellon - Matutino
Nenhum comentário:
Postar um comentário