A questão do racismo foi e é, ainda hoje, uma questão central para a sociedade mundial. Milton Santos, em uma das poucas vezes que discorreu sobre a questão do negro, enfatizou que a mobilização da sociedade em relação ao racismo é realizada a partir de uma perspectiva emocional, faz-se necessário um processo de conscientização da população quanto ao racismo, pois é uma questão que engloba a todos. Em comunhão com essa ideia, Achille Mbembe propõe a construção de uma coalização de combate ao racismo, uma vez que ele seria uma construção histórica a partir da legitimação da superioridade de determinados grupos em relação a outros racializados. Ainda, o historiador defende a ideia de que vivemos na era do capitalismo extrativista, onde o homem é o recurso a ser extraído, através da extração, perfuração de corpos e mentes sob a ótica do liberalismo, passando a refletir em suas obras o mundo a partir da África como centro do mundo, inovando a perspectiva eurocêntrica até então vigente.
Mbembe parte das formulações de
pensadores europeus, africanos e americanos para construir seu próprio
pensamento, se apropriado de conceitos como biopolítica e biopoder, entendendo
o racismo como uma tecnologia de dominação fundamental para organizar o
capital, com origens no século XV, a partir da chegada de Colombo nas Américas.
Ele divide a Modernidade em três momentos: a acumulação primitiva do capital,
entre os séculos XV e XIX, caraterizada por rede de tráfico de homens e
mulheres transformadas em mercadorias e moedas de troca; as revoltas do final
do século XIX até finais do século XX, com destaque para o processo de
independência do Haiti e o processo de descolonização africana; e por fim, no
século XXI, com a globalização dos mercados e da economia mundial com o advento
do neoliberalismo, trazendo o conceito do devir-negro do mundo.
Para ele, o negro foi uma
invenção dos europeus com a intenção de legitimar a dominação, pois o
capitalismo sempre precisou de subsídios raciais para dominar o planeta. A
escravidão foi o único complexo servil hemisférico que transformou as pessoas
de origem africana em mercadorias, sendo o negro o protótipo desse processo.
Mbembe não há defende que não há como dissociar os termos negro e raça,
definindo raça como a representação primária geradora de terror e sofrimento,
não existindo enquanto fato social, físico, antropológico ou genético, não
passando de uma ficção útil, uma construção ideológica com fins de desviar a
atenção de conflitos considerados mais genuínos como luta de classes ou de
gênero. Nesse contexto, o negro se tornou um signo do não ser e a África o
signo de um não lugar. Essa invenção do negro foi fundamental para o processo
de acumulação de riquezas e do controle do trabalho subordinando, permitindo também
inovações cruciais nas áreas de transporte, produção, comercialização e
seguros.
O racista, na sua perspectiva,
seria a pessoa que se afirma pelo ódio, construindo o outro não como seu
semelhante, mas como objeto ameaçador e do qual deveria se defender ou
destruir, visto que não conseguiria dominá-lo totalmente. Assim, o escravo
negro se revela através da história como um sujeito plástico, submetido a um
processo de transformação por meio da destruição, se desgarrando, através do
tempo, da condição do escravo, buscando um caminho de orientação para o futuro.
Com o neoliberalismo, o conceito de raça sofreu mutação, transcendendo a
questão da pele e da cor, e passando a configurar uma dinâmica além da
exploração, transformando o racismo de algo biológico para multidimensional,
tornando o termo negro uma denominação para todo aquele em condição de
precarização devido à nova fase do capitalismo mundial, com destaque para a
circulação de pessoas entre fronteiras.
Para Mbembe, episódios como o
assassinato de George Floyd e tantos outros de extrema violência contra negros,
privando-os de seus direitos básicos, não são acidentes e sim reflexo da
violência vivida por países que passaram pela experiência do plantation, que
vivenciaram os horrores do período escravocrata, como Brasil, Estados Unidos e
Caribe. Ele ainda defende que enquanto a África não for autossuficiente, se
responsabilizando também pelos negros da diáspora, não será possível combater efetivamente
o racismo no mundo. Nesse sentido, é possível deduzir que os negros não poderão
desfrutar os benefícios de serem seres humanos plenos, detentores de direitos
concretos, sem uma comunidade, uma coalização para vencer esse status e tornar o
continente africano uma referência para os negros, sendo motivo de orgulho, através
da reformulação do ensino e da educação de sua história e sua cultura em nível
mundial, reconstruindo uma nova África. É necessário extrair e triangular as
experiências sobre racismo, para não se ter um discurso unilateral, para que as
garantias fundamentais se façam presentes a todos e não a determinados grupos e
círculos sociais.
(Laredo Silva e Oliveira - 1º Ano - Direito Noturno)
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