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domingo, 12 de dezembro de 2021

Sim. Para o Direito, raça importa.

    Historicamente, o termo “raça” foi empregado para dividir os seres humanos em diferentes classes de poder, de modo que foi estabelecido um cenário hierárquico no qual os chamados “brancos” são considerados representantes de um modelo civilizatório ideal, enquanto os chamados “negros” são taxados como inferiores. Achille Mbembe, filósofo e historiador camaronês, considera a ideia de “raça” como uma ficção útil e uma projeção ideológica, a qual é utilizada para legitimar a exploração e submissão de povos não europeus.

A noção de raça permite que se representem as humanidades não europeias como se fossem um ser menor, o reflexo pobre do homem ideal de quem estavam separadas por um intervalo de tempo intransponível, uma diferença praticamente insuperável. Falar delas é, antes de mais, assinalar uma ausência – a ausência do mesmo – ou ainda uma presença segunda, a de monstros e fósseis. (MBEMBE, 2014)


    Nesse cenário, considerando as ideias do sociólogo francês Pierre Bordieu, a branquitude, enquanto grupo dominante, impõe a definição do mundo social conforme seus interesses, de modo a garantir a manutenção desse sistema de dominação. Isso se dá por meio do poder simbólico conferido aos indivíduos brancos, os quais ocupam as principais posições de autoridade na organização da sociedade. O campo jurídico não é exceção: os juízes e juristas, responsáveis por determinar os rumos do Direito, contribuem, uma vez que majoritariamente brancos, para a perpetuação da estrutura racista do mundo social.

    Um exemplo disso é o caso ocorrido em 2020 no Paraná, em que uma juíza – branca – condenou um homem preto a catorze anos de prisão devido à cor de sua pele. Na sentença constava que o réu era “seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça”. Com isso, é evidente o uso da noção de raça pelo Direito para condenar indivíduos não brancos, retirando-lhes o aspecto humano e taxando-os como criminosos natos. Em relação a isso, Mbembe afirma: “A raça é o meio pelo qual os reificamos e, baseados nessa reificação, nos transformamos em senhores, decidindo desde logo sobre o seu destino, de maneira que não sejamos obrigados a dar qualquer justificação”.

    Sendo assim, nota-se que, para o Direito, raça importa. A criação e perpetuação de tal conceito fictício está relacionada justamente a uma lógica de poder e exploração, na qual, por meio dessa ideologia, as pessoas não brancas são reificadas. Nesse contexto, o Direito é um dos muitos instrumentos utilizados pelo grupo dominante – no caso, os brancos – para exercer seu poder e impor seus interesses frente a sociedade.


Referências:


BOURDIEU, P. “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

MBEMBE, A. “Crítica da razão negra”. Lisboa: Antígona, 2014.

UOL. Juíza diz que homem negro é criminoso "em razão de sua raça" e o condena. São Paulo: 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/08/12/sentenca-de-cunho-racista.htm. Acesso em: 12 dez 2021. 


Johann Plath - Direito Matutino

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