Apesar das precariedades do ensino
público no Brasil, as universidades públicas ainda são as melhores.
Infelizmente, em um país com tantas desigualdades, é evidente o predomínio desse
ambiente seria pela elite. Segundo Boaventura de Souza Santos, trata-se de um
fascismo territorial esse domínio de alguns espaços por apenas grupos que detém
o poder financeiro. Surge, como solução, o programa de reserva de vagas nas
universidades públicas para alunos negros e de escola pública. Na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental 186, contudo, o Partido Democratas
entrou com uma ação contra essa política de reserva de vagas para alunos negros
na UnB, alegando a ineficácia de tal medida por institucionalizar o preconceito
e desrespeitar nossa igualdade formal.
Realmente, trata-se de um tipo de
discriminação, mas como qualquer outra ação afirmativa, é uma discriminação
positiva, que atribui certas vantagens, por um tempo limitado, para a superação
de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. Nosso país
ainda é muito marcado pelos traços da escravidão, pois mesmo compondo,
aproximadamente, 70% de nossa população, os negros são um dos grupos mais
excluídos, afinal, somente 2% deles, segundo o IBGE, conquistam o diploma universitário.
Assim, pouquíssimos negros e pardos exercem cargos ou funções de relevo em
nossa sociedade, revelando uma estrutura social segregada e elitista.
As cotas raciais na UnB visam,
então, acabar com a exclusão social dos negros do ambiente universitário e
fazer uma distribuição mais equitativa dos recursos públicos da educação. Mais do
que isso, a reserva de vagas resulta na imposição da pluralidade e o fim da
linearidade. Somente com menos homogeneidade, aprenderemos a lidar com as
diferenças, a universidade é ainda o espaço ideal para a desmistificação dos
preconceitos sociais e para a construção de uma consciência coletiva plural e
culturalmente heterogênea. A presença de alunos negros enriquece também cada
vez mais a universidade com a introdução de novas culturas e opiniões nos
debates, e expansão dos conhecimentos pelo saber cosmopolita (resultado de
várias realidades diferentes).
O objetivo desse programa de reserva
de 20% das vagas não é, nem será, transformar a universidade só para negros,
como afirmam os democratas na ADPF, mas tornar a universidade realmente para
todos, um espaço público aberto à inclusão do outro. Não podemos falar de
meritocracia em um caso em que as condições de alunos brancos e negros são
nitidamente díspares. Mesmo após tanto tempo após a formalização da igualdade formal
estamos longe da material. Boaventura afirma que precisamos de uma igualdade
que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou
reproduza as desigualdades. Somente com a emancipação social do que o autor
chama de sociedade civil incivil (hiperexcluída) poderemos acabar com exclusão
estrutural.
Todavia, no ambiente que estamos, a
instabilidade social se tornou uma condição para a estabilidade econômica, e a
inclusão dos negros no ambiente das elites intelectuais alteraria a estrutura
social já consolidada. E é esse o maior temor da elite defendida pelo partido
dos Democratas, perder seu lugar de privilegiada. Assim, impedir que os negros
ascendam e façam parte de classes mais altas não só demonstra um preconceito irrigado,
como ainda o fascismo da individualidade empreendedora que não quer perder seu
lugar no sol.
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