“A responsabilidade social da universidade tem de ser assumida pela
universidade, aceitando ser permeável às demandas sociais, sobretudo aquelas
oriundas de grupos sociais que não tem poder para as impor” (SANTOS, 2004,
p.91).
Há
poucas citações que poderiam evidenciar melhor a importância de uma das
políticas de ações afirmativas mais discutidas na contemporaneidade brasileira do
que esta de Boaventura de Sousa Santos. A referida política é a adoção de cotas
raciais pelas Universidades Públicas do Brasil – em 2004, a UNB (Universidade
de Brasília) fez uso de tal mecanismo, destinando 20% das vagas de todos os
cursos a estudantes negros ou pardos. Obviamente que tal medida não foi
amigavelmente recebida por toda a sociedade, de forma que no mesmo ano o
Partido Democratas – DEM ajuizou uma ADPF visando a declaração de
inconstitucionalidade dos atos praticados pela Universidade que culminaram na
adoção do sistema de reserva de vagas. O Supremo Tribunal Federal julgou
improcedente a ação, declarando a constitucionalidade das ações da UNB – mas,
certamente tal acontecimento pode ser utilizado para que se compreenda e
analise a sociedade atual e a forma como se organiza.
Conforme
afirmava o já mencionado Boaventura de Sousa Santos, a sociedade contemporânea é
caracterizada pelo fascismo social –
vivemos em um contexto em que a ideologia neoliberal assumiu a face da verdade,
de forma que coloniza todas as dimensões sociais. Como consequência disso, se
alastrou a ideia, entre os indivíduos que fazem parte dessa sociedade, de que
aqueles que não se mostram aptos -
aqueles que não correspondem às necessidades e demandas do capitalismo
financeiro – são pessoas que devem ser colocadas à margem do contrato social,
excluídas dele. E é justamente por esse motivo que as cotas raciais se fazem de
extrema importância – essa ideologia perpetua a ideia de meritocracia, fazendo
com que se estabeleça uma espécie de darwinismo social em que pessoas distintas
em situações de imensa discrepância têm que concorrer como se fossem todas
originárias das mesmas condições; essa sociedade faz com que o negro,
marginalizado, segregado e vítima de preconceito, tenha que disputar uma corrida com o branco, em
situação privilegiada – o grande problema é que os “neoconservadores” assumem que ambos, brancos e negros, partam da
mesma linha de largada, o que na realidade não acontece.
As
cotas são medidas de extrema necessidade porque a grande reforma que de fato
demanda a educação brasileira depende de fatores políticos de difícil previsão
e conclusão; assim, é fundamental que medidas emergenciais e temporárias como
estas sejam tomadas para inserir em determinadas esferas da sociedade grupos
que, naturalmente, não teriam força
para se fazer presentes ali. Nessa sociedade, o Direito encontra grande
dificuldade para exercer sua função emancipatória, como afirma Boaventura,
porque cada vez mais a regulação é
feita por diversos entes privados, que guiam o funcionamento social de acordo
com os interesses financeiros. Assim, as cotas raciais representam um
instrumento de inserção desses indivíduos segregados no contrato social,
promovendo sua emancipação, como de
fato deve ocorrer no Estado Social.
Além
disso, há que se considerar que a adoção dessas ações afirmativas que são as
cotas raciais contempla o princípio constitucional da
isonomia – quando a Constituição em seu art. 5º declara “Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza” o constituinte, com vistas ao Estado
Social, fala de uma igualdade que é muito mais que formal; é uma igualdade material. E para garantir tal igualdade,
por vezes, é necessário, válido e constitucional que o Estado faça uso de
políticas de ações afirmativas como essa.
Sousa Santos (2004, p.91) ainda declara: “A discriminação racial ou ética ocorre em conjunção com a
discriminação de classe, mas não pode ser reduzida a esta e deve ser objeto de
medidas específicas”. Isso significa que a simples adoção de cotas
sociais, na visão do autor, não seria suficiente para lidar com a demanda
social em questão – a postura contra hegemônica deve ser adotada de forma
ampla, inserindo o negro na universidade, apesar de todos os esforços de uma
sociedade que se mostra mais conservadora que o próprio Estado.
Por fim, é preciso considerar que a
adoção do sistema de cotas raciais nas universidades brasileiras é resultado de
uma ampla interpretação do conteúdo principiológico da Constituição Federal
como um todo – as cotas raciais são instrumentos de política social que visam
promover a emancipação do negro por meio da Universidade, de forma que sua
adoção, quanto mais rápida e mais ampla for, mais provavelmente poderá alterar
o rumo das próximas gerações. Ainda, ao mesmo tempo, tal medida representa o
reconhecimento e respeito cultural à história afro-brasileira.
Bibliografia: SANTOS, Boaventura
de Sousa. A Universidade no século XXI: para uma reforma democrática e
emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez, 2004.
Heloísa Ferreira Cintrão
1º Ano - Direito Diurno
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