1 INTRODUÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO
O século XX foi breve e mesmo assim
fora uma era onde mudanças extremas perpassaram toda a humanidade, como afirma
Eric Hobsbawm. Guerras, produções culturais conturbadas; formulações de grandes
contraculturas e a quebra destas; enfim, uma era em que os ideais glorificados
na revolução iluminista conviveram, ainda que de maneira paradoxal, com seus
opostos.
Uma das mudanças mais marcantes fora
sem dúvida o espaço que o mercado alcançou, e o que este vem alcançando a cada
dia dentro do século XXI. Aliás, hoje, quem é capaz de delimitar os espaços do
mercado? Quem é capaz de apontar objetos que não são usados para mover o
capital? E, por fim, quem é capaz de apontar os valores sociais que não serão
capitalizados?
Vivemos uma época dentro de nosso
país em que a figura do homem interiorano, desconhecedor das tecnologias e
afastado completamente da lógica de mercado está próxima de desaparecer. Ou
seja, é o fim dos prosaicos “Jecas”. A figura criada pelo ilustríssimo Monteiro
Lobato já não encontra respaldos tão fortes dentro de uma realidade em que os
homens podem se conectar com o mundo dando apenas alguns cliques.
Todavia, tais transformações
ocorridas nas vidas destes homens de outrora não foram feitas com bases nos grandes
ideais éticos (ideais estes sistematizados, principalmente, por autores como
Rousseau e Kant, e baseados em princípios solidários que foram gravados dentro
dos direitos fundamentais da pessoa humana); foram produzidas, principalmente,
pela necessidade de mercado exigida pelo processo de globalização liberal.
Sendo assim, as mudanças são
realizadas não por meios sociais (na maioria dos casos), e sim por meios e
motivações econômicas resultando num fim econômico desejado e em um efeito
colateral social. Nesse sentido a história do Brasil está lotada de exemplos,
desde a república antiga até os dias atuais.
Nem mesmo os valores morais dos mais
variados grupos sociais escapam da lógica de mercado. Mesmo a luta contra a
homofobia e a busca por maiores direitos para os indivíduos homoafetivos,
embora legítimas, não devem ser vistas, principalmente, como fruto de uma
postura altruística; e sim como uma necessidade do capital pára conquista de
novos mercados. Tendo em vista que já foram realizadas pesquisas que mostram a alta
rentabilidade deste novo mercado.
O próprio crime, que muitas vezes
choca toda a sociedade e propicia o nascimento de certa inquietude contra os
padrões de desigualdade, pode, como é em muitos casos, ser encarado como um
espetáculo produtor de uma quantidade de lucro significativa: programas
sensacionalistas - que atingem recordes de audiência na tevê brasileira - são a
prova de que tal conduta, além de ser diária, é responsável por lucros absurdos.
Em relação ao que foi dito, temos a
música, de João Bosco, “De frente pro crime”. Música esta que retrata como, em
questão de minutos, uma tragédia vira um “show” do qual todos se esquecem em
questão de dias.
2 A SOCIEDADE NEOLIBERAL MORALMENTE REPUGNANTE E QUASE IMPOSSÍVEL DE SE
GOVERNAR
É assim que o autor Boaventura de
Sousa Santos, em seu artigo “Poderá ser o direito emancipatório?”, denomina os
perigos dessa sociedade em que a lógica de mercado se sobrepõe aos valores
morais. Porém, mesmo com tamanho alerta, as sociedades de maneira geral
continuam sendo governadas pelos interesses de mercado [SANTOS, 2003, p. 3-76]
Como foi mostrado no tópico anterior
(para os casos dos valores morais e do próprio crime) - e já respondendo à série
de perguntas lá colocadas - não há nenhum espaço no qual há ausência dos
interesses de mercado. Assim como não há limites fixos para sua influência.
Um caso que mostra claramente a
preponderância dos valores econômicos sobre todos os outros - e que veio à tona
recentemente - é o caso do leilão de virgindade realizado por uma catarinense
em um site de vendas similar ao sítio “Mercado Livre”. Esse leilão gerou um
lucro de 1,5 milhões; lucro este, gigantesco e resultante de uma coisificação
de um valor que outrora era impensável que fosse vendido (ao menos às claras).
Além desse caso, temos diversos
outros que estão presentes dentro da sociedade civil e incivil, como por
exemplo: a produção, em regime análogo à escravidão, do tráfico internacional
de drogas e do tráfico de órgãos etc.
Em suma, fica evidente que a
preocupação de Boaventura é tão real que, em certo sentido, já encontra
respaldo em fatos concretos. Se, por um lado, o movimento neoliberal promove
quebra de determinadas condutas preconceituosas, tal movimento também impede a
fixação de raízes morais nos indivíduos e reafirma outros preconceitos. O homem
neoliberal é aquele que não tem raízes morais grossas e que, portanto, acaba
sendo levado pelo capital a realizar apenas duas funções na sociedade: produzir
e consumir. E por só realizar tais atividades, este (homem neoliberal) acaba
crendo que está muito distante dos outros e vivendo em uma espécie de ilha em
que nada lhe choca por tudo estar tão distante de suas necessidades e desejos
imediatos.
3 DIREITO E PRODUÇÃO COSMOPOLITA
Assim como Boaventura [2003] nos
mostra o problema da produção capitalista neoliberal, ele explana a respeito da
produção cosmopolita. Produção esta contrária à massificação e também a
existência de grotescas diferenças de classe.
Logo, para a transformação da
sociedade o autor crê que a revolução violenta - e tão defendida por uma parte
da esquerda - não conseguirá modificar as estruturas da sociedade. Isso porque,
segundo o autor e, também, segundo vários intelectuais de esquerda como
Norberto Bobbio, buscar uma revolução por meio da força é extremamente difícil,
pois o capitalismo neoliberal consegue, a todo o instante, se inovar e
aglutinar culturas que, antes, eram contrárias a ele. Isso torna até bastante
quixotesca a luta contra o capital, pois este está tão espalhado pelos grupos
da sociedade por meio de suas transnacionais que muitas vezes quem sustenta a
esquerda e seus movimentos “revolucionários” é o próprio capital.
A verdadeira modificação deverá vir
por meio da conscientização da importância da produção cosmopolita, pois
somente ela respeita a dignidade da pessoa humana. Portanto, é de extrema
importância que os profissionais do direito e dos órgãos legislativos, busquem
produzir direitos que incentive tal produção.
O autor Boaventura [2003, p. 61]
cita, em seu artigo, as organizações dos trabalhadores sem-terra: pequenos
agricultores que lutam pela reforma agrária e cujo movimento é conhecido como
MST. Outro movimento popular brasileiro, surgido a partir do fim da década de
1970, é o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que conta com a
mobilização de camponeses contra a construção de barragens que desalojam
milhares de trabalhadores, causando a perda das casas, terras e dos empregos
destes. A história do MAB é marcada por resistência à desapropriação injusta e
preservação da natureza.
Boaventura aponta em seu texto a
importância da força política que o movimento ou organização cosmopolita
consegue mobilizar, sendo essencial a legitimação da produção não-capitalista por
meio da “legalidade demoliberal do Estado”, com respaldo positivo nas leis, e
da “legalidade cosmopolita”, que visa à melhoria gradual das condições de vida
dos indivíduos [2003, p. 61]. O MAB consolida resistências e lutas por
atingidos organizados e parcerias com órgãos mundiais, através de encontros e
congressos de união nacional.
4 A TÊNUE LINHA ENTRE A PRODUÇÃO COSMOPOLITA E A CAPITALISTA
Como ficou claro no item anterior, é
muito tênue a linha que separa a produção demoliberal da produção cosmopolita.
Isso ocorre graças à ampla capacidade que o sistema capitalista neoliberal tem
para absorver as mais diversas ideologias e lucrar com elas. Tal causa produz
conseqüências positivas e negativas.
4.1 CONSEQUÊNCIAS POSITIVAS
Uma das conseqüências
positivas é a que Boaventura nos ensina, pois ambos os movimentos, demoliberal
e cosmopolita, fundamentam-se na busca por direitos para os indivíduos. A
diferença esta no fato de que a produção demoliberal incentiva a criação de um
direito mínimo e privado, adequado às necessidades do mercado e não às
necessidades humanas; já a produção cosmopolita só pode ser alcançada em
conjunto com a força de um direito cosmopolita, pois somente ele conseguirá
conscientizar as populações de que a produção cosmopolita é a mais equânime e
também é a única capaz de promover a dignidade da pessoa humana.
Todavia, fica muito difícil para a
produção cosmopolita competir com a grandiosa produção neoliberal. Além de esta
última conseguir uma produção em níveis gigantescos, ela se utiliza,
frequentemente, ou de atividades ilegais como a Nike em Taiwan ou, ao menos, de
atividades consideradas amorais.
É, portanto, muito válido e
interessante para as transformações sociais, que estes dois tipos de produção
busquem o mesmo objetivo, pois se este for o caso, ficará muito mias fácil para
o direito cosmopolita se propagar e levar mudanças significativas para a
sociedade.
Um exemplo de situação em que ambos
os interesses de produção neoliberal e cosmopolita se encontram é na distribuição
de bolsas sociais. Por meio das bolsas, os indivíduos conseguem ter acesso ao
básico para viverem e até mesmo conseguirem mudar de vida; enquanto cumprem
também os interesses de mercado. Pois, se por um lado a bolsa trouxe ascensão
social para as classes D e C, elas também propiciaram que tais classes
participassem de maneira ativa do processo de produção e consumo.
4.2 CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS
Temos, além dos
aspectos positivos, os aspectos negativos da proximidade desses dois modos de
produção. Estes últimos muitas vezes acabam gerando muita confusão, pois fica
difícil para o grande público conseguir distinguir qual direito está sendo
pregado em determinada medida e qual produção está sendo realizada.
Existem diversos exemplos para
entendermos o quanto problemática pode ser essa mistura. Alguns dos exemplos
que podemos citar são os relacionados à super ONG “Greenpeace”; tal ONG, se por
um lado luta de maneira muito ativa pelo direito cosmopolita para parte dos
indivíduos, por outro lado ela não passa de uma multinacional que arrecada mais
de 200.000 milhões de dólares ao ano, e se utiliza da bandeira do movimento
ambiental para prejudicar determinadas empresas e favorecer outras.
Outro exemplo é a arte que
conhecemos como grafite, que teve seu início como manifestação em espaços
públicos; baseada em inscrições nas paredes e muros, na década de 1970 em Nova
Iorque, nos Estados Unidos. O grafite passou de simples marca dos grafiteiros,
com pouca técnica e desenhos, para uma ligação direta com movimentos, em
especial o Hip Hop, expressando as opressões que a humanidade vive, principalmente,
nos seus grupos menos favorecidos, revelando a realidades das ruas. Entretanto,
formou-se uma grande indústria do grafite e de sua representação visual. Uma dupla
de gêmeos brasileiros, Otávio e Gustavo Pandolfo, formados em desenho de
comunicação pela Escola Técnica Estadual Carlos de Campos começaram a pintar
grafites em 1987 no bairro em que cresceram, e gradualmente tornaram-se uma das
influências mais importantes na cena paulistana, ajudando a definir um estilo
brasileiro de grafites. Em maio de 2008, executaram a pintura da fachada da “Tate
Modern”, de Londres, para a exposição “Street Art”.
5 CONCLUSÃO
Por fim, podemos fazer duas
ressalvas que acreditamos bastante válidas para o desenvolvimento e avanço do
direito e produção cosmopolitas. A primeira refere-se às melhorias da educação
da população por meio de políticas públicas e, com esse ganho, os próprios
indivíduos devem incentivar iniciativas privadas e estatais de auxílio social.
A segunda é a formação realmente humanística e não dogmática dos jovens,
através da conscientização pública e do sistema educacional, principalmente
referindo-se aos universitários e profissionais que consistirão nos responsáveis
pela futura mudança que poderá ocorrer dentro dos meios políticos e jurídicos.
Redirecionando essas transformações para os princípios cosmopolitas, poderemos
atingir níveis nunca antes imaginados de emancipação social.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A ARTE DOS
IRMÃOS GRAFITEIROS. Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/a_arte-manifesto_dos_irmaos_grafiteiros.html>
Acesso em: 10 de novembro de 2012.
MOVIMENTO DOS
ATINGIDOS POR BARRAGENS (MAB). Disponível em <http://www.mabnacional.org.br/>
Acesso em: 10 de novembro de 2012.
REBOLLA, Jorge
Nogueira. A crítica ao Greenpeace.
Disponível em
<http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-critica-ao-greenpeace> Acesso
em: 10 de novembro de 2012.
REDAÇÃO ÉPOCA. Catarina Migliorini, a jovem que resolveu
leiloar sua virgindade. Disponível em
<http://revistaepoca.globo.com/Primeiro-Plano/noticia/2012/10/catarina-migliorini-jovem-que-resolveu-leiloar-sua-virgindade.html>
Acesso em: 10 de novembro de 2012.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Poderá o direito ser emancipatório?. Revista Críticas de Ciências Sociais, 65, Maio 2003: 3-76.
GRUPO: Danilo Saran Vezzani, Leandro
dos Reis Bertoldo, Marco Aurélio Ferreira Caires, Murilo Martins.
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