As zonas de contato não são limites físicos, mas sim “zonas
em que ideias, saberes, formas de poder, universos simbólicos e agências
normativos e rivais se encontram em condições desiguais e mutuamente se
repelem, rejeitam, assimilam, imitam e subvertem, de modo a dar origem a constelações
politico-jurídicas de natureza híbrida em que é possível detectar o rasto da
desigualdade das trocas.” (Boaventura de Sousa Santos). São, portanto,
encontros e confrontos de diferentes mundos normativos, diferentes culturas,
diferentes leis, diferentes poderes, enfim, encontros e confrontos entre
DIFERENTES.
Essas diferentes culturas jurídicas se defrontam de modos
altamente desiguais, já que as forças dos poderes são também assimétricas.
Exemplos claros em que zonas de contato geraram violência são: a guerra de
Canudos, onde conflitaram interesses e “direitos” políticos com a liberdade de
manifestação e religião de um povo; o recente caso dos índios Guarani-Kaiowá,
que mostra a divergência entre direitos e interesses dos fazendeiros e direitos
dos índios; a “escravização” de bolivianos ilegais em São Paulo, que tem suas
condições humanas desrespeitadas por não possuírem um “direito” de fato; e por
fim a proibição, por parte do governo da França, do uso de burcas islâmicas pelas
mulheres em seu território.
Analisando mais profundamente esse último caso, vemos uma
clara exemplificação de zona de contato em que direitos entram em conflitos e
há uma assimetria de poder. Ora, o presidente da França nem sequer instaurou um
debate acerca do assunto, nem sequer questionou as mulheres islâmicas se elas se sentiam
oprimidas em ter de usar a burca. Ele simplesmente proibiu esse costume
alegando, ironicamente, uma “libertação” para as mulheres. Mas que libertação é
essa em que não há liberdade de escolha?
Um país como a França, que se diz multicultural e
respeitador das diferenças usa esse próprio argumento para praticar o oposto,
para impor sua cultura, seu modo de enxergar o mundo, o SEU correto. Analisar
uma cultura sob o próprio ponto de vista não é bem ser multicultural, muito
menos respeitador das diferenças. Para os islâmicos, o uso da busca pelas
mulheres é um costume, uma prática comum, e com certeza muitas mulheres não se
sentem oprimidas em usar o véu, mas sim em não poder usá-lo, em não poder
manifestar sua cultura, sua religião em outro território.
Portanto, há certamente um conflito entre diferentes mundos,
diferentes culturas, repercutindo no âmbito jurídico com uma predominância de
poder.
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