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quarta-feira, 3 de maio de 2023

Tempo: Um deus? Um fenômeno? Uma forma de controle?

     Tempo, substantivo comum que à priori se refere à mudança de números, seja em um relógio, em um celular, em um computador, que nos mostra uma mudança, mas o que significa exatamente? Há somente um significado? O que seria e o que representa essa mudança que pode ser vista em segundos, minutos, horas, etc? O que é o tempo realmente?

    Esse substantivo, por mais simples que pareça, é o tema de muitos pensamentos e ideias, afinal o que seria esse substantivo? Na música de Caetano Veloso, “Oração ao Tempo” percebe-se o tempo visto não somente como um fenômeno natural, mas um deus: “Por seres tão inventivo/ E pareceres contínuo/ Tempo, tempo, tempo, tempo/ És um dos deuses mais lindos/ Tempo, tempo, tempo, tempo”. O tempo também já foi e continua sendo uma grande reflexão filosófica quando nos lembramos, por exemplo, da obra de Santo Agostinho, Confissões, livro 11, que aborda sobre o quão difícil se torna a busca por um conceito, por uma definição de tempo. Também temos de um lado, Platão defendendo o passado como forma ilimitada do tempo, enquanto de outro lado vemos filósofos medievais defendendo a ideia de que é finito e portanto todas as coisas possuem início e fim. No entanto, essa questão não fica somente no ramo da filosofia, passando também à física, afinal como estudar o tempo? É possível voltar no tempo? O tempo é uma unidade de medida criada e usada somente por humanos? Temos um exemplo disso na série alemã, Dark, que trata do assunto de viagem no tempo, tratando-o não como um mero fenômeno, um mero acaso, mas um deus que traça e muda a vida das pessoas, sendo essa, uma produção que nos traz muitos questionamentos sobre esse tema tão complicado com frases do célebre físico Albert Einstein como “ A diferença entre passado, presente e futuro é somente uma persistente ilusão”, além de conceitos físicos como o Paradoxo de Bootstrap, a Teoria da Relatividade Geral, a Ponte de Einstein-Rosen (e como isso se liga com possíveis buracos de minhoca provenientes de buracos negros). Entretanto, afinal, se existem tantas discussões sobre o tempo em tantas áreas, seria possível o tempo ser enxergado de maneira social? Poderia ser o tempo uma ferramenta de controle social?

No livro, “A corrosão do caráter”, capítulo “a deriva”, o sociólogo estadunidense Richard Sennett traz ao leitor a história de Enrico, um imigrante italiano em busca de condições sociais melhores, e seu filho Rico quando já adulto. O capítulo começa contando um pouco sobre a vida do italiano em terras estadunidenses, sobre seu trabalho (de faxineiro) que não lhe permite uma ascensão grande ao ponto de sair de uma posição de emprego que se encontra numa categoria de prestígio baixa. Podemos entender a luta de Enrico para melhorar de vida, e que embora passe a maior parte de seu tempo trabalhando, logra algumas conquistas como comprar uma casa para mudar para um bairro considerado melhor, juntar economias, seu filho consegue ir à universidade e se formar. Passando um pouco o capítulo, Sennett nos descreve o encontro que teve com o filho de Enrico, Rico, anos depois e que no primeiro olhar, já conseguiu notar uma postura proveniente de Rico que tenta passar uma ideia de ter vindo de uma classe social mais alta desde seu nascimento, o que Sennett sabe que não é verdade. Mais para frente, entramos no diálogo entre o sociólogo e o filho de Enrico, mas uma coisa que chama muita atenção é a forma com que o tempo é tratado nesse diálogo e na vida atual de Rico. Se antes, seu pai, por mais que tivesse de trabalhar incessantemente para alcançar o famoso termo American Dream, mantinha laços com seus colegas de trabalho, passava tempo ensinando e passando coisas para seu filho, além de usar uma parte de seu tempo para ser presente para a família, nos remetendo à uma frase utilizada no começo do livro que diz que o tempo é o único recurso grátis para o que se encontram no fundo da sociedade. Quando olhamos para Rico, vemos que o tempo, o mesmo fenômeno presente na vida de seu pai, possui agora, outro significado, afinal Rico não possui tempo suficiente para passar com seus filhos, sua vida é um emaranhado de inseguranças sobre como será o trabalho no dia de amanhã, se ele e sua família terão de mudar de cidade, de estado, resultando em: tempo para compartilhar com amigos? Não há. Tempo para criar laços com pessoas, com lembranças? A vida está corrida demais para isso. Tempo para simplesmente fazer nada? Não existe, afinal o tempo representa o que mais vale numa sociedade movida pelo capitalismo, o dinheiro.

    Analisando brevemente essa relação de Enrico e Rico com o tempo, surge a questão… Seria o tempo uma forma de se controlar as pessoas? Afinal, como não posso decidir, nem que por um dia, o que fazer com os números de segundos, minutos, horas que representam minha vida? A jaula de ferro, conceito criado por Max Weber, traz à tona a estrutura burocrática que torna possível a racionalização do acúmulo de tempo, como se o tempo fosse algo palpável que podemos guardar na gaveta de casa. Enquanto pessoas acordam uma semana em cada lugar, sem a preocupação de manter sua subsistência básica, podendo usar seu tempo da maneira que sua racionalidade, seus pensamentos decidam, vemos a maior parte das pessoas utilizando seu tempo em um emprego por muitas vezes repetitivo, que não há ganho intelectual, além de horas no transporte público, para conseguir o mínimo para a existência, a sobrevivência no lugar da vivência, a falta de tempo para os filhos, para os amigos, para aquele livro que tem páginas demais, para que ao final sequer possam comprar um molho de tomate mais saudável no supermercado e acabem optando de maneira não livre a levar um molho industrializado, prejudicial a saúde, porém mais barato. Como pode o tempo ser ao mesmo tempo uma coisa que não para, uma coisa que nos deixa presos? Como pode o tempo, um deus, um fenômeno natural, uma abstração, ser utilizado para um aprisionamento normalizado? Para que eu passe mais tempo dentro de um ônibus que ensinando meu filho a ler, que cultivando memórias pelas pessoas e situações pelas quais tenho afeto? Como pode o ser humano buscar relações duradouras,  buscar narrativas de identidade se tudo parece uma série composta de episódios curtos para se ver no intervalo de almoço, de stories do tiktok que duram trinta segundos, de fragmentos? Quando o tempo vai ser utilizado para que sejamos livres e esse sentimento finalmente nos pertença? Nem toda prisão precisa ter grade.


Maria Eduarda S. Lago - Noturno
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