A ADPF 54 trata sobre a interrupção terapêutica da gravidez em casos de anencefalia, tratando não somente apenas do campo jurídico, mas também sobre a questão médica e social, interpelando diversos campos sociais, dessa forma, agindo como reflexo da sociedade. Vemos, portanto, que o campo jurídico não se atém somente as normas, deve evoluir junto com a sociedade, fato que é bem explicitado por Bourdieu.
O STF decidiu, por 8 votos a 2, favorável à interrupção da gravidez em caso de anencefalia. Reflete, portanto, reivindicações sociais assim como decisões judiciais dentro do espaço dos possíveis. A multiplicidade de opiniões, a variação do conceito de vida para cada campo e indivíduo devem ser levados em conta, beneficiando e oferecendo possibilidade de escolha à maioria da população.
O embate, neste caso, seria principalmente com relação a disputa, de um lado, pelo direito à vida do feto, do nascituro, e de outro, pela dignidade, autonomia e saúde da mulher e cabe ao judiciário, neste caso resolvê-lo. Questiona-se, dessa forma, o papel do habitus dentro de decisões que impactam a vida das pessoas, até que ponto a forma ideal da sociedade deve permear o âmbito da jurisdição.
Em adição aos conceitos de Bourdieu, temos o de violência simbólica, o de poder simbólico. Temos que pensar também o limite do Estado com relação ao corpo da mulher, sobre a pressão social sobre a gravidez, sobre os limites da autonomia e de decisão que afetariam uma vida já constituída e também sobre direito reprodutivo. A moral do povo não deveria interferir sobre o individual, todos devíamos ter o poder da escolha.
Portanto, como o Campo jurídico é a junção de vários outros campos, o Direito deve evitar o instrumentalismo. Considera-se então, o papel do Direito na sociedade, o desafio de conciliar as concepções distintas dentro do campo social. Fazer Direito implica pensar no e com o outro, é o desafio de utilizar as diferentes perspectivas nas formas de pensar o mesmo mundo, é a configuração da discussão da vida social em movimento.
Helena Motta - Direito noturno
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