Pierre Bourdieu procura estudar o campo jurídico por meio de elementos não explorados por sociólogos anteriores. A partir do seu conceito de “campo”, ele relata como o espaço social é composto por inúmeros campos, nos quais os dominados e dominantes vivem em constante conflito. Dessa forma, desenvolve-se conceito de “espaço dos possíveis”, que, segundo Bourdieu, seria um local entre a razão e a moral no qual ocorrem os conflitos entre as classes. Esse espaço é único - posto que a legislação é uma só - contudo é flexível em virtude, justamente, dessa dualidade existente entre os dominantes e dominados.
Bourdieu afirma que dentro do “espaço dos possíveis” essa constante luta entre as classes promove uma disputa de “poder simbólico”, sendo esse a capacidade de exercer domínio e impor suas vontades dentro do campo social em razão de um acúmulo de poder. Todavia, ainda que essa luta seja contínua, vê-se mais vitórias dos dominante em detrimento das dos dominados, o que contribui para um instrumentalismo do Direito sobre o qual Bourdieu discorre que é vital evitar. Esse instrumentalismo em conjunto com a ideia desse sociólogo de “habitus” - uma matriz cultural que predispõe o indivíduo a certos comportamentos - está fundado pela condição de classe daqueles que detém o poder simbólico, de tal modo que pode vir a reprimir expressões das demais classes sociais que, por sua vez, possuem “habitus” diferentes em função da sua origem social - tal como as relações exercidas em seu espaço.
Sob esse viés, é possível analisar a ADPF/54 que aborda sobre a interrupção da gravidez em caso de fetos anencéfalos. Esse caso relaciona-se com esses princípios de Bourdieu uma vez que, demonstra uma luta de interesses sobre a possibilidade ou não de realizar-se o aborto dentro do “espaço dos possíveis” e como grande parte dos argumentos contra essa proposta derivam de pensamentos patriarcais da sociedade, correspondendo ao “habitus” de uma minoria - integrantes do STF. Essa discussão deveria ser realizada sobre a perspectiva de mais grupos envolvidos diretamente nesse tema, como por exemplo as mulheres. A decisão desse caso baseada nas opiniões de uma minoria e com base em pensamentos arcaicos e machistas proporcionaria uma hermenêutica que não condiz com as mudanças e reivindicações sociais contemporâneas, de modo a ignorar a questão defendida por Bourdieu de que as condições históricas engendram lutas no campo de poder - o que explica a relativa interdependência do direito em face das pressões externas. Portanto, a aprovação da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos pelo STF na ADPF/54 demonstra como o “espaço dos possíveis” pode ser contornado uma vez que se abre contato com outros campos e como, ainda hoje, o pensamento de Bourdieu é utilizado como método de estudo e como o direito é um reflexo da sociedade e das relações de poder e luta presentes no espaço social.
Mariana Medeiros Polizelli
1° ano - Direito Matutino
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