As normas vigentes em um país são reflexos não apenas da
cultura de seu povo, mas também de fatores externos como pressão internacional
e tratados de direito, além de serem frutos das demandas do tempo em que existem.
É natural, portanto, e até mesmo lógico compreender que as normas devem se
adaptar as mais diversas lutas sociais, buscando reparar consequências de um
passado nem sempre justo e pacífico. Essa superação, por mais vagarosa que seja,
é perceptível no campo jurídico, a exemplo da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, julgada pelo Supremo
Tribunal Federal em 2012. Em uma decisão histórica, a hipótese de crime de
aborto foi excluída nos casos de feto anencéfalo. Tal desfecho foi possível por
uma análise que não se restringiu somente ao campo jurídico, sendo também
reflexo das dinâmicas sociais e da pressão exercida por elas.
Em um cenário
de constante luta pela efetivação dos direitos de minorias, o debate acerca do
aborto ganha cada vez mais relevância. Nesse viés, vale ressaltar o pensamento
do sociólogo francês Pierre Bourdieu para a compreensão de como os movimentos
sociais podem influenciar em decisões como as da ADPF 54. De acordo com o pensador,
os diversos campos formam o espaço que vivemos. O campo pode ser jurídico,
político, econômico, entre outras esferas que exercem impacto no cotidiano de
um indivíduo. Aquilo que é realizável dentro de um campo é chamado de espaço
dos possíveis, sendo que este é fruto das dinâmicas sociais e é delimitado
pelas obras jurídicas. Em outras palavras, o que ocorre dentro dos campos é reflexo
das manifestações sociais cotidianas, desde que estejam de acordo com a legalidade.
Entretanto,
vale destacar como o próprio direito se porta para Bourdieu. Em sua obra “A
força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”, o sociólogo
afirma que direito é moldado pela lógica positiva da ciência e pela moral. Ora,
como citado anteriormente, sendo a moral e os costumes resultados do tempo em
que residem, nota-se como o direito acaba sendo algo em constante movimento.
Chego, portanto, ao objetivo de minha análise: se o direito é fruto da moral e
a moral tende a mudança, é de se esperar que os reflexos dessas alterações influenciem
decisões judiciais que, posteriormente, podem levar a uma alteração das normas.
Por mais lentamente que possa ocorrer, decisões que visam a expansão de
direitos de pessoas antes negligenciadas pelas normas tendem a ser cada vez mais
frequentes, pelo tempo em que as lutas sociais persistirem.
Mateus G. F. de Souza
Turma XXXIV - Matutino
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