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sexta-feira, 26 de agosto de 2022

A transição do possível

 

            As normas vigentes em um país são reflexos não apenas da cultura de seu povo, mas também de fatores externos como pressão internacional e tratados de direito, além de serem frutos das demandas do tempo em que existem. É natural, portanto, e até mesmo lógico compreender que as normas devem se adaptar as mais diversas lutas sociais, buscando reparar consequências de um passado nem sempre justo e pacífico. Essa superação, por mais vagarosa que seja, é perceptível no campo jurídico, a exemplo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 2012. Em uma decisão histórica, a hipótese de crime de aborto foi excluída nos casos de feto anencéfalo. Tal desfecho foi possível por uma análise que não se restringiu somente ao campo jurídico, sendo também reflexo das dinâmicas sociais e da pressão exercida por elas.

            Em um cenário de constante luta pela efetivação dos direitos de minorias, o debate acerca do aborto ganha cada vez mais relevância. Nesse viés, vale ressaltar o pensamento do sociólogo francês Pierre Bourdieu para a compreensão de como os movimentos sociais podem influenciar em decisões como as da ADPF 54. De acordo com o pensador, os diversos campos formam o espaço que vivemos. O campo pode ser jurídico, político, econômico, entre outras esferas que exercem impacto no cotidiano de um indivíduo. Aquilo que é realizável dentro de um campo é chamado de espaço dos possíveis, sendo que este é fruto das dinâmicas sociais e é delimitado pelas obras jurídicas. Em outras palavras, o que ocorre dentro dos campos é reflexo das manifestações sociais cotidianas, desde que estejam de acordo com a legalidade.

            Entretanto, vale destacar como o próprio direito se porta para Bourdieu. Em sua obra “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”, o sociólogo afirma que direito é moldado pela lógica positiva da ciência e pela moral. Ora, como citado anteriormente, sendo a moral e os costumes resultados do tempo em que residem, nota-se como o direito acaba sendo algo em constante movimento. Chego, portanto, ao objetivo de minha análise: se o direito é fruto da moral e a moral tende a mudança, é de se esperar que os reflexos dessas alterações influenciem decisões judiciais que, posteriormente, podem levar a uma alteração das normas. Por mais lentamente que possa ocorrer, decisões que visam a expansão de direitos de pessoas antes negligenciadas pelas normas tendem a ser cada vez mais frequentes, pelo tempo em que as lutas sociais persistirem.


Mateus G. F. de Souza

Turma XXXIV - Matutino

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