Na minha frente, havia um zumbi. O que era humanamente impossível, mas ali estava. Uma criatura aparentemente morta, a pele parecida com couro, não fossem as feridas abertas e com sangue pútrido coagulado, a pele pálida e manchada, os olhos cegos, os grunhidos, os movimentos erráticos, e o fedor de carne se decompondo, cheiro de podridão (eca).
Mas veja bem,
é um zumbi, não pode ser real. Sim, posso vê-lo logo adiante, embora
isso não signifique que ele seja de verdade. Me lembro bem de filósofos que
estudei no ensino médio (alguns mais do que outros) e cujas teorias diziam o
quanto nossos sentidos são falhos e limitados. Talvez fosse mero fruto da minha
imaginação, um sonho (não, seria mais um pesadelo), ou até mesmo uma ilusão
implantada por um gênio maligno. Não importa, o ponto é: tal monstro não
existe. Certeza. Puro paralogismo. É mais provável que eu esteja alucinando do
que esse (não) zumbi esteja vindo em minha direção.
Entretanto,
apesar de não ser racionalmente possível a visão que estava tendo, não parecia
ser uma mentira. Até porque, as reações do meu corpo pareciam muito fidedignas
e sinceras para um mero devaneio. Quando vi aquilo, senti minha boca secar,
meus membros ficarem paralisados, meus olhos se arregalarem e se fixarem na
ameaça à frente. Meus batimentos cardíacos aceleraram, meu corpo se curvou e
tensionou, minhas mãos tremiam e suavam excessivamente, tinha certeza que havia
empalidecido, minha garganta estava trancada, nem se quisesse eu poderia gritar
e, se tentasse, minhas cordas vocais se rasgariam. Era o mais absoluto terror.
Foi aí que minha mente se desprendeu do meu corpo e eu pude bater um papo
contigo, caro leitor.
Sinceramente, se for uma pegadinha, passou dos
limites. Mesmo que eu vivencie todas essas sensações, não é nem um pouco viável
que um cadáver consiga andar, quanto mais matar alguém ou comer um pedaço de
cérebro como se fosse um picolé. Sim, é preferível imaginar que o vermelho ao
redor da boca da besta seja groselha, não sangue. Mas então eu estaria
permitindo que preconceitos, fantasias e coisas que aceitei como veracidade
inquestionável me impedissem de enxergar a verdade, não é mesmo? Apenas porque
nunca vi um morto-vivo, não posso afirmar sua inexistência. Além disso, minha
própria experiência (neste exato momento) garante o contrário. O resultado final desse raciocínio é que o
zumbi é real e que, portanto, morrerei em breve. Não gostei.
A criatura
andava até mim e me encarava como quem estava prestes a se deliciar num
churrasco. Não que a ideia de virar uma refeição me agradasse, mas eu não
conseguia fugir. A paralisia penetrava meus membros. Só era capaz de listar as
perguntas que queria fazer. Você é real? Você existe mesmo? Não é só uma
coisa que eu vejo numa paralisia do sono? Eram questionamentos cujas
respostas eu realmente necessitava. Está com fome? Zumbis comem apenas cérebros? Meu
cérebro te interessa? Você tem tanto mal gosto assim? Eu nem consigo conciliar
minha mente e meu corpo, esse órgão em particular deve ser bem insosso. Não obtive as respostas que queria, só
recebi gritos, mordidas e dor.
Seria uma
honra continuar a debater contigo a possibilidade de um zumbi existir, sobre
como e quanto a razão e a experiência colaboraram para alcançar a verdade, ou
sobre como o fato de minha consciência não estar em conjunto ao meu corpo
influenciou o resultado de toda essa história, mas, infelizmente, não poderei.
Os filósofos não me ajudaram: pensei demais, agi de menos e, portanto, morri.
Micaela M. Herreira – Direito
noturno 1o ano
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