Em 8 de setembro de 2019, foi proferida decisão em medida cautelar na suspensão de liminar n° 1.248-RJ, pelo Ministro Presidente Dias Toffoli, na qual se discutiu, entre outras questões, a busca e apreensão de obras com conteúdo que tratam do homotransexualismo.
Trata-se
de suspensão de liminar proposta pela Procuradoria Geral da República em face
de decisão do Presidente do TJRJ, nos autos de medida de suspensão, mediante a
qual suspendeu liminar que havia sido concedida nos autos do Mandado de Segurança
n° 0056881-31.2019.8.19.0000, sob o seguinte dispositivo:
“(...)
Desta forma, concede-se a medida liminar para compelir as autoridades
impetradas a se absterem de buscar e apreender obras em função do seu conteúdo,
notadamente aquelas que tratam do homotransexualismo. Concede-se a liminar,
igualmente, para compelir as autoridades impetradas a se absterem de cassar a
licença para a Bienal, em decorrência dos fatos veiculados neste mandamus. 2 –
Notifiquem-se as autoridades a quem se atribui a prática do ato para que
prestem as devidas informações, no prazo legal (artigo 7o, I, da Lei 12.016/2009),
e para ciência da liminar deferida”.
A
atuação judicial aqui trazida será discutida adiante. Antes, todavia, cumpre
esclarecer alguns pontos teóricos trabalhados por Sara Araújo.
Sara
Araújo nos traz que “o direito moderno eurocêntrico é um instrumento poderoso
de reprodução do colonialismo, promovendo exclusões abissais e circunscrevendo
o horizonte de possibilidades à narrativa linear de progresso”. (p. 88).
Nesse
sentido, o pensamento moderno impõe e estabelece os limites de uma linha
abissal que divide o mundo entre o universo “deste lado da linha” e o universo
“do outro lado da linha”. (p. 95-96)
Para
a autora, devemos pensar em uma epistemologia que não esteja dentro da
essencialidade desse pensamento hegemônico, ou seja, que tenha a crítica ou
confrontação da indústria cultural capitalista, da não produtividade
capitalista como centralidade.
Para referida autora há uma necessidade de se pensar o direito para além de uma perspectiva hegemônica e convencional, ou seja, deve se fazer análise além de uma abordagem que considera apenas o direito estatal estabelecido como uma diretriz válida.
Elucida
ainda que “múltiplos universos jurídicos são desperdiçados, invisibilizados e
classificados como inferiores, primitivos, locais, residuais ou improdutivos” (p.
88), ou seja, tudo aquilo que foi o silencio do ponto de vista do conhecimento.
Algo que não faz parte do que se convencionou chamar razão ou racionalidade.
Fundamental,
ainda, ressaltar a existência de uma monocultura da produtividade, ou seja, “todo
o outro conhecimento é invisibilizado, porque todo o outro tipo de produção é
desvalorizado.”
Quando
o “o outro lado da linha” fala, ele provoca abalo “deste lado da linha”,
especialmente por fazê-lo através de uma linguagem que o “norte” não concebe
como legítima, tendo em vista já ter estabelecido muito claramente o que é
válido.
É
com essa perspectiva que a discussão da Sara Araújo nos convida a pensar o
conhecimento e o direito na modernidade, onde podemos perceber sua influência na
leitura do
inteiro teor desse importante julgamento.
Em
suas razões, defende a PGR que o ato de busca e apreensão “discrimina
frontalmente pessoas por sua orientação sexual e identidade de gênero, ao determinar
o uso de embalagem lacrada somente para obras que tratem do tema do
homotransexualismo”.
No
mesmo sentido, na fundamentação, o ministro argumenta que:
“a
decisão cuja suspensão se pretende, ao estabelecer que o conteúdo homoafetivo
em publicações infanto-juvenis exigiria a prévia indicação de seu teor, findou
por assimilar as relações homoafetivas a conteúdo impróprio ou inadequado à
infância e juventude, ferindo, a um só tempo, a estrita legalidade e o
princípio da igualdade, uma vez que somente àquela específica forma de relação
impôs a necessidade de advertência, em disposição que – sob pretensa proteção
da criança e do adolescente – se pôs na armadilha sutil da distinção entre
proteção e preconceito.”
Sob essa perspectiva, ao considerar a fundamentação, ficou demonstrada uma
tentativa de rompimento da perspectiva hegemônica de se pensar o
direito.
Jéssica
Maria Gregio - Noturno
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