A
injúria é caracterizada, segundo o Senado, como a ofensa que está associada ao
uso de palavras depreciativas direcionadas a uma pessoa. A injúria racial, por
sua vez, se configura quando essa ofensa leva em consideração elementos com
base em raça, cor, etnia, religião, origem, condição da pessoa idosa ou portadora
de alguma deficiência e é regulada pelo parágrafo 3° do artigo 140 do Código
Penal, que aumenta a pena para crimes nestes parâmetros.
O
Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o processo que se discutia se esse crime
de injúria deveria ser reconhecido como forma de racismo, que possui penas mais
severas, sendo inafiançável e imprescritível. O julgamento utilizou-se do
Habeas Corpus 154.248, que negou o reconhecimento da extinção da punibilidade
da paciente com, na época, 72 anos, condenada pela prática de crime de injúria
qualificada pelo preconceito, por prescrição, e da Ação Direta de
Inconstitucionalidade- ADI 6.987, que versava sobre a colocação da injúria racial
como espécie de racismo, excluindo os critérios estabelecidos pelo parágrafo 3°
supracitado, pois diferenciar esses dois em crimes diferentes não teria base
legal e geraria impunidade ao possibilitar a prescrição e decadência.
Para
esse conflito expresso no espaço dos possíveis, conceito elaborado por
Boerdieu, cabe a inserção de diversos argumentos a favor da conversão da
injúria em racismo. Os advogados membros do Instituto Brasileiro de Direito de
Família, Soraia Mendes e Paulo Iotti, acreditam que toda vez que uma pessoa é
atacada individualmente, a coletividade também é. Através do olhar da
historicização da norma, Paulo diz que separar os dois é tentar mascarar o
racismo no país, racismo, este, que persiste contemporaneamente, depois de mais
de 300 anos de escravidão. Os negros ainda hoje enfrentam dificuldades perante
a sociedade para se inserir em locais mais privilegiados sem serem
questionados, para frequentarem lugares comuns, como shoppings, sem serem
confundidos com bandidos, para obter as mesmas oportunidades que os brancos,
enfim, para conquistarem o que é seu por direito, mas retirado pelas classes
maioritárias.
Com
isso, os afetados por todas essas injustiças buscam direitos através da justiça,
em uma procura pelo aprofundamento da democracia por meio da equidade, momento
em que entra a magistratura do sujeito, de Garapon, isto é, a busca da efetivação de direitos através
do poder judiciário, tornando-se uma tarefa política primordial nessas ocorrências, tendo em vista que, se pela via
judicial esses direitos já são negligenciados, por outras vias não seriam nem
tutelados.
Tal ocorrência demonstra uma mobilização do direito por parte
daqueles que são deixados de lado pela escassez de punibilidade do sistema aos
privilegiados, a fim de chegarem ao conceito de igualdade material através da
tríplice vertente da proporcionalidade. Essa mobilização auxilia na luta das
gerações futuras e coloca em pauta assuntos tão importantes como este, tentando
ocasionar uma transformação na cultura social geral, por mais que lenta e
dificultosa. Jane Reis, por sua vez, caracteriza
tal fato como ecologia dos saberes, envolvendo a busca por visibilidade,
copresença e horizontalidade, conceitos fundamentais para a ADI impor suas
delimitações.
Mbembe utiliza expressões para caracterizar o julgado, como a
efabulação, que diz que a criação do conceito de raça é uma ficção e a
desumanização do povo negro ao longo da História. Desse modo, acolher essa ação
é imprescindível para que o desprezo constitucional a todos os tipos de racismo
seja eficaz e eficiente.
Sob essa perspectiva, o STF entendeu que a injúria racial é sim espécie
do gênero racismo. Além disso, como já citado, o Estado brasileiro deve ir de
encontro com preceitos da Constituição, como o artigo 3, IV e o artigo 4°,
VIII, os quais são facilitados por essa decisão.
Assim, com base nos aspectos analisados e na racionalização do direito, esse parecer pode contribuir para amenizar o sentimento de inferiorização que os racistas impõem às suas vítimas e efetivar uma punição mais adequada a crimes que ferem a honra e a dignidade de uma coletividade de pessoas, por mais que explícitas, muitas vezes, em casos individuais. Com isso, pode-se tentar diminuir privilégios das camadas majoritárias e trazer uma certa reparação aos tantos casos de injustiça presentes na sociedade que saem impunes, por mais que não tenha como efetivamente reparar tudo.
Núbia Quaiato Bezerra- Direito noturno
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