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domingo, 4 de dezembro de 2022

Direito como instrumento de luta pelo fim das exclusões abissais

 

Medida Provisória é um filme, de 2020, dirigido por Lázaro Ramos e conta com grandes personalidades negras como protagonistas, pode-se citar Alfred Enoch, Taís Araújo e Seu Jorge. A trama retrata um futuro distópico no Brasil, no qual todos os cidadãos negros são obrigados a irem para a África e deixarem o Brasil por conta de uma Medida Provisória decretada pelo governo brasileiro. Assim, fora da ficção, o racismo ainda persiste com poderosas raízes no solo nacional. Atualmente, existem duas tipificações penais para combater práticas racistas. A primeira é a injúria racial, a qual, teoricamente, seria aplicada quando ocorresse algum tipo de ofensa direcionada a certo indivíduo. A segunda é o próprio crime de racismo, o qual se refere à determinado crime contra todo um grupo de pessoas, esse tipo penal, por sua vez, é imprescritível, diferentemente do anterior. Entretanto, na prática a injúria racial nada mais é do que um tipo de racismo, e deve ser punida da mesma forma que este. Quando se ofende alguém por conta da cor da sua pele se está ofendendo a todo um grupo. Ambas as tipificações estão dentro do mesmo espaço dos possíveis. Logo, surge a intenção de reconhecer a injúria racial como um tipo de racismo por meio da ADI n. 6.987 ingressada pelo partido Cidadania e distribuída ao ministro Nunes Marques, esse debate ainda está em discussão no Congresso.

Assim, observa-se que essa é uma demanda de um grupo minoritário que luta para a conquista de seus direitos que são a tanto tempo violados. O direito para a população negra é um instrumento capaz de garantir que os preceitos escritos na Constituição de 1988 sejam de fato respeitados. Esse é o princípio da “magistratura do sujeito” descrita por Antonie Garapon. Segundo ele, a Justiça deve ser convocada a fim de evitar ou diminuir o sofrimento de seus indivíduos. E ao pensar na população negra, o racismo estrutural, o institucional e o recreativo já são mais do que suficientes para provar o quanto sofre o povo negro.

Ademais, essa medida de equiparação desses dois tipos penais é extremamente pertinente pois de acordo com, o filósofo camaronês, Achille Mbembe a raça é uma forma de existir. Ou seja, ao desconsiderá-la se está dessubjestivando o indivíduo. Um caso muito recente de racismo ocorreu com o comediante Eddy Jr, o qual foi brutalmente ofendido em seu condomínio de luxo por outra moradora que não aceitava a sua presença naquele local. Por mais que a senhora racista afirmasse que o problema dela era com a pessoa do Eddy é evidente que o motivo dele ter sido tratado como foi e até ameaçado de morte foi por conta da sua cor e de seus traços negros. Outro ponto que não se pode desconsiderar é que no Brasil, por ser um país que ainda carrega muitas amarras dos 300 anos de escravidão, poucos indivíduos negros alcançam lugares de destaque na sociedade. Então, quando uma racista, observou que Eddy estava ocupando o mesmo lugar social que ela, começou a efabular e ofendê-lo. Em resumo, observa-se que por mais velada que seja a linha abissal no Brasil, ela ainda persiste. Quando indivíduos que foram historicamente relacionados ao Sul passam a pertencer a espaços do Norte, alguns tentam retornar ideais preconceituosos e ultrapassados. Por fim, ao analisar a realidade atual brasileira conclui-se que a linha abissal não pode mais possuir como aliado o viés jurídico. O direito deve reconstruir antigos conceitos e lutar pelo fim das exclusões abissais.

Como base jurídica para sustentar essa decisão deve ser utilizado o HC n.82.424- RS e a doutrina de Guilherme Nucci. Dessa maneira, o crime de injúria racial passaria a ser considerado imprescritível e inafiançável. Tal decisão possui como base uma epistemologia emancipatória, decolonial e antidiscriminatória preservando os direitos fundamentais.

Portanto, é através do reconhecimento da injúria racial como racismo que será possível realizar medidas concretas para o combate do racismo, sem que haja nenhum tipo de impunidade. Além do mais, pode-se dizer que ocorre uma forma de antecipação com essa ADI n. 6.987, afinal, é através dessa equiparação que se poderá evitar que situações cada vez piores ocorram, deixando assim, os futuros distópicos restritos às ficções.

Heloísa Pilotto Fernandes Salviano, primeiro ano de direito noturno.

 

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