Medida
Provisória é um filme, de 2020, dirigido por Lázaro Ramos e conta com grandes
personalidades negras como protagonistas, pode-se citar Alfred Enoch, Taís Araújo
e Seu Jorge. A trama retrata um futuro distópico no Brasil, no qual todos os
cidadãos negros são obrigados a irem para a África e deixarem o Brasil por
conta de uma Medida Provisória decretada pelo governo brasileiro. Assim, fora
da ficção, o racismo ainda persiste com poderosas raízes no solo nacional. Atualmente,
existem duas tipificações penais para combater práticas racistas. A primeira é
a injúria racial, a qual, teoricamente, seria aplicada quando ocorresse algum
tipo de ofensa direcionada a certo indivíduo. A segunda é o próprio crime de
racismo, o qual se refere à determinado crime contra todo um grupo de pessoas,
esse tipo penal, por sua vez, é imprescritível, diferentemente do anterior. Entretanto,
na prática a injúria racial nada mais é do que um tipo de racismo, e deve ser
punida da mesma forma que este. Quando se ofende alguém por conta da cor da sua
pele se está ofendendo a todo um grupo. Ambas as tipificações estão dentro do
mesmo espaço dos possíveis. Logo, surge a intenção de reconhecer a injúria
racial como um tipo de racismo por meio da ADI n. 6.987 ingressada pelo partido
Cidadania e distribuída ao ministro Nunes Marques, esse debate ainda está em discussão no Congresso.
Assim,
observa-se que essa é uma demanda de um grupo minoritário que luta para a
conquista de seus direitos que são a tanto tempo violados. O direito para a
população negra é um instrumento capaz de garantir que os preceitos escritos na
Constituição de 1988 sejam de fato respeitados. Esse é o princípio da “magistratura
do sujeito” descrita por Antonie Garapon. Segundo ele, a Justiça deve ser
convocada a fim de evitar ou diminuir o sofrimento de seus indivíduos. E ao pensar
na população negra, o racismo estrutural, o institucional e o recreativo já são
mais do que suficientes para provar o quanto sofre o povo negro.
Ademais,
essa medida de equiparação desses dois tipos penais é extremamente pertinente
pois de acordo com, o filósofo camaronês, Achille Mbembe a raça é uma forma de
existir. Ou seja, ao desconsiderá-la se está dessubjestivando o indivíduo. Um
caso muito recente de racismo ocorreu com o comediante Eddy Jr, o qual foi brutalmente
ofendido em seu condomínio de luxo por outra moradora que não aceitava a sua
presença naquele local. Por mais que a senhora racista afirmasse que o problema
dela era com a pessoa do Eddy é evidente que o motivo dele ter sido tratado
como foi e até ameaçado de morte foi por conta da sua cor e de seus traços
negros. Outro ponto que não se pode desconsiderar é que no Brasil, por ser um país
que ainda carrega muitas amarras dos 300 anos de escravidão, poucos indivíduos
negros alcançam lugares de destaque na sociedade. Então, quando uma racista, observou
que Eddy estava ocupando o mesmo lugar social que ela, começou a efabular e ofendê-lo.
Em resumo, observa-se que por mais velada que seja a linha abissal no Brasil,
ela ainda persiste. Quando indivíduos que foram historicamente relacionados ao
Sul passam a pertencer a espaços do Norte, alguns tentam retornar ideais
preconceituosos e ultrapassados. Por fim, ao analisar a realidade atual brasileira
conclui-se que a linha abissal não pode mais possuir como aliado o viés
jurídico. O direito deve reconstruir antigos conceitos e lutar pelo fim das
exclusões abissais.
Como
base jurídica para sustentar essa decisão deve ser utilizado o HC n.82.424- RS
e a doutrina de Guilherme Nucci. Dessa maneira, o crime de injúria racial
passaria a ser considerado imprescritível e inafiançável. Tal decisão possui
como base uma epistemologia emancipatória, decolonial e antidiscriminatória preservando
os direitos fundamentais.
Portanto,
é através do reconhecimento da injúria racial como racismo que será possível
realizar medidas concretas para o combate do racismo, sem que haja nenhum tipo
de impunidade. Além do mais, pode-se dizer que ocorre uma forma de antecipação
com essa ADI n. 6.987, afinal, é através dessa equiparação que se poderá evitar
que situações cada vez piores ocorram, deixando assim, os futuros distópicos
restritos às ficções.
Heloísa
Pilotto Fernandes Salviano, primeiro ano de direito noturno.
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