Total de visualizações de página (desde out/2009)

domingo, 4 de dezembro de 2022

ADI 6.987 : Equiparação da Injúria Racial ao Crime de Racismo como uma Via para Asseguração de Direitos Fundamentais

    A Ação Direita de Inconstituicionade nº6.987 fora ajuizada pelo partido Cidadania, e teve sua conclusão no ano de 2021. Os conflitos expressos neste caso pairavam sobre o pedido de equiparação do Crime de Injuria Racial – Art. 140, § 3 do Código Penal “- Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. § 3 se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa” ao Crime de Racismo, com normas definidas pela Lei 7.716/89. Nesse interim, o panorama expresso foi trabalhado sob o caso do Habeas Corpus 154.248, no qual a defesa de uma senhora de 70 anos estava requerendo extinção da punibilidade do crime no qual ela fora desrespeitosa, ao discriminar uma trabalhadora em um posto de combustíveis, onde referiu-se à vítima com as expressões preconceituosas. Nesse panorama, a necessária decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), foi a favor desta equiparação, de modo a considera-las como imprescritíveis.  Dessa forma, ressalta-se a importância e a pertinência da decisão do STF no caso, como modo de coibir ao máximo manifestações preconceituosas do racismo na sociedade brasileira, faz-se imperioso, neste contexto, discutir acerca da necessidade da decisão, da ação do tribunal, das perspectivas do caso.

            Em primeiro plano, é mister discutir acerca da atmosfera que engloba conceitos do espaço dos possíveis, da racionalização do direito e da historicização da norma. Nesse sentido, nessa órbita o caso encontra pertinência da decisão na realidade brasileira, conceito postulado por Pierre Bourdieu como “Espaço dos Possíveis”, no qual uma decisão deverá ser coerente com o universo na qual será aplicada. Dessa maneira, o parecer favorável a equiparação do crime de injuria racial ao crime de racismo promove o repudio de ações de caráter racistas, uma vez que a injuria racial se apresentaria como uma injuria “não – racista” de modo a ludibriar e distorcer crimes que, de fato, se configuram como crimes de racismo. Dessa forma, tendo em vista tal caso, o não preconceito faz parte do corpo textual da Constituição Federal Brasileira de 1988, sendo expresso pelo Art. 3, no qual os objetivos da Republica deixam claro os seguintes postulados : “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” Além, ainda, do Art. 5º XLII, no qual é expresso claramente que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; tendo em vista tais dispositivos, o Ministro Alexandre de Morais dispõe em seu voto um panorama amplo sobre o caso: “Negar ao crime de injúria qualificada a imprescritibilidade equivaleria a diminuir a máxima efetividade das normas constitucionais, às quais deve ser atribuído o sentido de maior eficiência possível, conforme as regras hermenêuticas de interpretação constitucional. Assim, para garantir a supremacia incondicional do texto constitucional em relação a todo o ordenamento jurídico e sua força normativa inquestionável, deve o art. 140, § 3o, do Código Penal ser interpretado no sentido de ser imprescritível a punibilidade da conduta nele prevista, por força do art. 5o, XLII, da CF”. Desse modo, avalia-se que a equiparação da injuria racial ao crime de racismo se faz pertinente ao espaço dos possíveis na sociedade brasileira, sendo, dessa forma, imperiosa. Além disso, discute-se sobre a questão da racionalização do direito e a historicização da norma no caso disposto. Nesse panorama, ambos conceitos discutidos também por Bourdieu, pode-se traçar uma digressão na qual se discuta sobre ambos os conceitos, assim: i) a racionalização do direito pode ser observada pela conclusão do STF em equiparação dos crimes uma vez que observadas as circunstâncias nas quais o dispositivo contra Injuria Racial fora criado e suas consequências, percorrendo mesmo trajeto no diagnóstico do Crime de racismo, de modo a verificar que é legitimo a imprescritibilidade desses e; ii) sobre a historicização da norma disposta, analisa-se todo o passado brasileiro quanto a questão do racismo, além de contar com Am. Curiae que representavam os grupos afetados por esses postulados, como : Movimento Negro Unificado e o Instituto de Defesa de Direito das Religiões Afro- brasileiras, que demonstram a luta histórica deste grupo.  Logo, verifica-se que a decisão do Supremo está em concordância com os postulados de Bourdieu que reforçam a necessidade da decisão.

Ademais, é valido ressaltar que os tópicos referentes a efabulação e a desumanização, definidos de acordo com estudos do pensador Mbembe, são presentes quanto à questão do racismo e da injuria racial. Dessa maneira, Mbembe coloca a efabulação como a criação de estigmas e preconceitos ligados em fundas raízes do pensamento da sociedade, dessa forma, muitas vezes, os indivíduos criam cenários fantasiosos ligados a ideais infundados e sem nenhum traço de racionalidade como forma de criarem uma “proteção” ou como forma de justificar seus pensamentos e ações racistas, dessa forma, o indivíduo faz um julgamento baseado em fantasias e estigmas, de modo a cometer o crime de racismo. Nesse sentido, tal panorama leva, muitas vezes a uma desumanização do ser, uma vez que lhe são empregadas características que não o pertencem, que o levam a uma desconfiguração de seu ser. Dessarte, compreende-se que tais tópicos colocados por Mbembe configuram panoramas de crime de racismo e precisam ser coibidos.

            Em segundo plano, discute-se sobre a ação do tribunal em si, e usa-se como base os ideais defendidos por Garapon, que discorre sobre o papel do Judiciário nas sociedades modernas. Nesse sentido, essa ação do tribunal é prevista constitucionalmente, como forma de preservação dos ideais constitucionais, sendo uma forma do STF de se colocar como Guardião da Carta Magna, e atua, no caso disposto, como uma forma de promoção de direitos de um grupo social historicamente excluído que não encontra materialidade em normas universais dos direitos fundamentais, sendo uma panorama no qual, segundo Garapon, “Chama-se a justiça no intuito de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno. Para responder de forma inteligente a esse chamado, ela deve desempenhar uma nova fruição, forjada ao longo deste século, a justiça se vê intimada a tomar decisões em uma democracia preocupada e desencantada”. Desse modo, observa-se também que tal panorama não poderia ser obtido por meio legislativo, uma vez que cenários de crise da representatividade politica e inviabilização de pautas de minorias pelas bancadas conservadoras, coíbem a promoção de ações que garantam a materialidade de direitos, consoante Garapon, a ação do Judiciário se faz necessária ao passo que “Exigir do sujeito que ele se torne legislador de sua própria vida pode conduzir à tutela de sujeitos mais desamparados, incapazes de suportar a autodeterminação”. Assim, entende-se que a ação do Supremo Tribunal Federal foi necessária e condiz com as colocações previstas no próprio texto constitucional brasileiro.

            Outrossim, discute-se acerca das consequências dessa decisão para a sociedade brasileira, para isso, discorre-se acerca da mobilização do direito, da promoção de uma ecologia de saberes. Nesse sentido, a ideia da mobilização do direito é extraída do pensamento do estudioso McCann, que retrata que determinados grupos representam por meio de suas lutas, meios para promoção da efetivação de direitos referindo:  às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores.”. Nesse panorama, observa-se que o pedido feito pelo partido Cidadania conta com vários Am. Curiae que reforçam a luta de grupos que são afetados pela questão colocada, desse modo, observa-se que a promoção da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal favorece a promoção da materialização de direitos a esses grupos. Além disso, pode-se discutir também sobre a visão de Sarah Araújo, que pode ser aplicada ao caso disposto. Nesse sentido, discute-se acerca da ecologia de saberes do caso, essenciais para interlocução e integração de ideais e vozes historicamente marginalizadas no Brasil, consoante a Araújo “A ecologia de direitos e de justiças deve incluir as lutas jurídicas que florescem na interlegalidade dos encontros jurídicos e nas lacunas do Estado, as justiças comunitárias que emergem em zonas de contacto entre vários direitos e as estratégias que os cidadãos e as cidadãs usam face à diversidade de ordens jurídica que têm ao dispor numa paisagem jurídica híbrida”. Posto isso, entende-se que a mobilização do direito, estudada por McCann e a ecologia dos saberes, discutida por Araújo, configuram elementos presentes no julgamento da ADI 6.987.

            Depreende-se, portanto, que fora imprescindível a equiparação da Injuria racial ao crime do racismo, tornando-a imprescritível, como forma de coibir manifestações racistas na sociedade brasileira. Posto isso, foram utilizados como forma de fundamentar o escrito os pensadores: Bourdieu, Mbembe, Garapon, McCann e Araújo, indispensáveis para construção da analise feita. Destarte, entende-se a importância de tais ações como forma de promoção da igualdade material de direitos postulados pela Constituição Federal de 1988, propiciando a segurança e a asseguração de direitos fundamentais.

Larissa Vitória Moreira

Direito UNESP, Segundo Semestre - Noturno

         

Nenhum comentário:

Postar um comentário