Total de visualizações de página (desde out/2009)

domingo, 4 de dezembro de 2022

O direito crítico na magistratura do sujeito como tentativa de enfrentar a efabulação

 

O discurso eurocêntrico hegemônico, segundo Mbembe, criou formas de pensar, classificar e imaginar os mundos distantes, principalmente o mundos dos dominados. Um dos principais processos para concretizar o domínio consiste na efabulação. A modelagem de fatos inventados em fatos reais, certos e exatos, visando a estigmatização do tipo dominado e a criação ficcional de características negativizadas à minorias, adentrando o imaginário popular. Deste modo, tudo aquilo que é diferente ao mundo capitalista europeu sofre repressão por posturas que busquem alterar a realidade dos fatos(efabulação), considerando o outro não como semelhante a si mesmo, mas como objeto intrinsicamente ameaçador que deve ser combatido(alterocídio).Tais posturas são recorrentes no mundo contemporâneo e se consubstancializam pelo racismo, injúria, além de um modo de violência simbólica que não precisa ser ou não está explícito, mas constitui estrutura operante na formação das disposições dos indivíduos. Estas formas estigmatizantes ajudam a fomentar o que Sara Araújo denomina de linha abissal, que divide o mundo no Norte(desenvolvido, humano, superior) e sul(subdesenvolvido, primitivo, animalesco, inferior). Assim, tudo o que se difere do homem branco europeu e suas formas de cultura  é marginalizado pela estrutura dominante.

  Desta maneira, como é possível diminuir a desumanização sofrida pelos não brancos, em especial, a população negra? O direito pode configurar mudança.

  De início, é importante ressaltar que o direito é algo abstrato, que não considera, na grande maioria das vezes, as disparidades socio-históricas que estão presentes em uma sociedade. Difundido e desenvolvido por revoluções liberais burguesas europeias, o direito foi e ainda tem traços de manutenção do status quo , reprimindo, por meio de instrumentos estatais, tudo aquilo que ameace a acumulação de capital e as formas culturais dominantes. No entanto, através de uma atuação contramajoritária dos tribunais, é possível enfrentar minimamente os problemas já citados, transformando o direito, de um instrumento de dominação ,para um instrumento garantidor de prerrogativas.

  O estabelecimento de um paradigma democrático permite com que diversos grupos sociais possam alcançar os mais diferentes tipos de direitos. Entretanto, as relações de poder históricas citadas anteriormente, que permeiam o direito ,muita vezes dificultam a materialização de prerrogativas. Com isto, torna-se necessário que o poder judiciário, como guardião da Constituição e de prerrogativas pétreas, assuma um protagonismo imprescindível para solucionar o molestar do indivíduo moderno. Trata-se, segundo Garapon, de uma magistratura do sujeito, capacidade de amparar o sujeito em busca de seus direitos, mesmo que estes representem clara ruptura com a estrutura dominante. Deste modo, o judiciário, contrariando a abstração do direito positivo, interpreta as normas de acordo com valores que exponham um conhecimento crítico da realidade em que se vive. É um modo contramajoritário de ver o direito, analisando a história de grupos oprimidos e o sistema socioeconômico presente, permitindo também a influência de grupos de mobilização(parte de um todo), em sua maioria, movimentos sociais ,que cobrem do poder estatal a dignidade democrática para minorias.

  É justamente a materialização de tal ideia que a ADI 6.987 propôs. O STF ao reconhecer a injúria racial como forma de racismo busca vedar um dos principais instrumentos de efabulação, alterocídio e desumanização da população negra. É ampliado para um grupo minoritário a capacidade de proteção jurídica equivalente ao racismo em casos de injúria. A decisão é tomada por uma análise crítica de como a população negra foi e ainda é tratada no Brasil.

  Em síntese, nota-se que  o direito abstrato formal de influência europeia é insuficiente para reconhecer as disparidades presentes em um meio social, necessitando de um maior protagonismo interpretativo do poder judiciário. É claro que a interpretação contramajoritária ainda se encontra em um plano formal, não sendo sinônimo de efetividade, mas esta se aproxima da realidade material ao analisar historicamente e criticamente a sociedade. A interpretação também pode conduzir a arbitrariedades e ser fator perigoso em um jogo democrático, entretanto, essa ideia magistratura do sujeito é uma tentativa válida de diminuir desigualdades, uma vez que a completa materialização de igualdade só pode ser fomentada em um sistema que não seja capitalista, algo muito mais difícil de ser alcançado.


João Felipe Schiabel Geraldini. 1ano. Direito Noturno


 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário