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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Ônibus 174

O documentário "Ônibus 174", de 2002, dirigido por José Padilha, tem uma construção nitidamente weberiana. A preocupação do filme é mostrar os fatores que levaram à situação de reféns em um ônibus ocorrida no Rio de Janeiro e seu trágico desfecho em 2000.
Por meio de entrevistas com policiais, vítimas, antropólogos e conhecidos do sequestrador, o documentário aponta as motivações e os fatores que levaram Sandro, o autor do crime, a realizar tal ato que abalou e prendeu o Brasil na frente dos televisores. Nascido e criado na favela, seu pai abandonou sua mãe ainda quando estava grávida. Mais tarde, com 8 anos de idade, Sandro presenciou o assassinato da própria mãe. Passou a viver na rua com outros garotos, onde tomou contato com as drogas, tornando-se viciado em cocaína. Foi um sobrevivente do chamado "Massacre da Candelária", onde várias crianças e jovens foram mortos pela polícia.
Assim, perturbado pelas experiências de vida e alucinado pela cocaína, Sandro viu no sequestro uma oportunidade de chamar a atenção para si - antes, uma vítima qualquer da vida, apenas mais um morador de rua sem qualquer amparo familiar - e conseguir um "momento de glória", na falta de uma expressão melhor. Era notável a grande euforia do rapaz ao observar a crescente repercussão que estava causando no país inteiro. É o que Weber chama de "ação racional com relação a um objetivo", apesar de Sandro não estar com suas faculdades mentais em bom estado, devido a seus traumas e seu uso frequente de entorpecentes.
Um fato constantemente abordado no documentário é o despreparo policial. Já logo no início temos a declaração e que os policiais do Rio de Janeiro são pessoas que não conseguiram outro emprego e que não têm uma preparação física e psicológica para enfrentar situações especiais como as do sequestro do ônibus 174. Estes fatos explicam a ação impulsiva e inconsequente do policial ao tentar atirar em Sandro quando este deixou o ônibus segurando uma refém, o que causou a morte desta ao que o sequestrador usou dela como escudo.
Podemos notar a análise sociológica-compreensiva de José Padilha ao caso do ônibus 174 ao construir a imagem da força policial do Rio de Janeiro e do sequestrador Sandro conforme decorre a história do sequestro, do começo ao fim. Acabamos por compreender que dentro daquele criminoso estava um jovem com muitas cicatrizes deixadas pela vida, desprovido de valores por faltar-lhe uma figura familiar que lhe instruísse moralmente, cujo único consolo era a droga, e com uma cosmovisão pessoal limitada a si mesmo.
A crítica que Weber faz é justamente a que Padilha procura deixar em seu documentário: uma simples análise do fato social leva a interpretações errôneas e muitas vezes estabelece, equivocadamente, um "dever-ser". Sandro foi julgado e executado no próprio local pelos policiais, movidos por um forte sentimento vingativo que aflorava de toda a nação. Sentimento este que ainda é causa de muitas barbaridades como a justiça popular (linchamentos) e o forte clamor pela redução da maioridade penal. É preciso combater as causas e não os efeitos. 

Hiago A. Cordioli
Período Noturno
Max Weber

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