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domingo, 20 de novembro de 2022

ADPF 186 e a importância de ações afirmativas

 

         As cotas raciais compõem ação afirmativa de reserva de vagas em instituições públicas ou privadas para grupos específicos, seja por raça ou por etnia, com o objetivo de conter as desigualdades socioeconômicas que geram e perpetuam preconceitos estruturais ainda presentes na sociedade depois de mais de 300 anos de escravidão acometendo pretos e indígenas no Brasil.

            Nesse cenário, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acompanharam por unanimidade o voto do relator, Ricardo Lewandowski, que esclarecia que as cotas adotadas de maneira inédita pela Universidade de Brasília (UnB), em 2004, não eram desproporcionais como colocado pelo partido Democratas. Para esse conflito expresso no espaço dos possíveis, conceito elaborado por Boerdieu, o STF utilizou os argumentos de que a equidade, isto é, tratar desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam, seria necessária para fundamentar essa ocorrência, bem como os aspectos cronológicos, ou seja, todo o agravante histórico, também deveria ser levado em consideração; mas, mesmo assim, impôs uma temporalidade ao programa, ao estabelecer uma revisão da Lei para dali 10 anos, ou seja, neste ano e, daí, entra a necessidade de se pontuar incisivamente a importância desta ação afirmativa.

            Dessa forma, é notável a racionalização do direito e a historicização da norma através da ADPF 186, já que foi adaptando, de maneira lúcida, a realidade às emergências da vida social, forma de resistência que veio à tona há muito tempo, como quando a famosa ativista Rosa Parks, em 1955, se recusou a ceder seu lugar em um ônibus a um branco. Todavia, as bases dessa busca de direitos por um grupo social minoritário são questionadas rotineiramente por grupos conservadores que ocupam os locais de poder e, quase sempre, conseguem sair ilesos de situações brutais contra os pretos, como no caso da Marielle Franco, defensora da luta contra o racismo que foi assassinada a tiros junto de seu motorista no Rio de Janeiro e, até hoje, as investigações não chegaram a conclusões claras, o que seria totalmente diferente caso um branco fosse morto nas mesmas condições.

            Nesse sentido, a magistratura do sujeito trazida por Garapon, isto é, a busca da efetivação de direitos através do poder judiciário, torna-se uma tarefa política primordial nessas ocorrências, tendo em vista que, se pela via judicial esses direitos já são negligenciados, como supracitado, por outras vias não seriam nem tutelados. O aprofundamento da democracia através de ações afirmativas do tipo é imprescindível, pois, cotidianamente, o sistema degrada essas classes, o que pode ser visto pelas últimas ocorrências de morte de pretos pela própria polícia militar, casos que ganharam mais visibilidade após a situação de George Floyd nos Estados Unidos.

            Desse modo, levando em conta o caráter educacional excludente do Ensino Superior do Brasil, que vem desde a pré-escola, essas classes que sofrem com a falta de oportunidades, a discrepância e a defasagem tremenda de conhecimento, se mobilizam para alcançar seus direitos através de uma abordagem institucionalizada, que seria, segundo McCann, a mais pertinente para explicar a importância e o nível de influência dos tribunais contemporâneos. Assim, a garantia de cotas raciais modifica de maneira direta a luta dessas classes, além de não significar diferença no conhecimento. Estudo feito pela Unesp, primeira das universidades estaduais paulistas a estabelecer o sistema de cotas raciais, mostra que, entre 2013 e 2018, o percentual de alunos da universidade pertencentes ao grupo de pretos, pardos e indígenas passou de cerca de 12% em 2014 para 18% em 2018 e, fazendo a comparação do coeficiente médio de rendimento dos ingressantes na Unesp entre 2014 e 2017, fica claro que não há diferenças relevantes de rendimento acadêmico entre os estudantes que ingressaram na Unesp pelo sistema universal e aqueles que ingressaram pelo sistema de reserva de vagas.

            Dessa maneira, a mobilização traz maior visibilidade para a questão, possibilita inclusão desses indivíduos nos locais de poder e transforma a cultura aos poucos. Jane Reis, por sua vez, caracteriza tal fato como ecologia dos saberes, envolvendo a busca por visibilidade, copresença e horizontalidade, conceitos fundamentais para a ADPF impor suas delimitações.

            Com base no analisado, é notável que a ADPF 186, que versa sobre as cotas raciais, é ilustre na conquista de direitos para os pretos, pardos e indígenas, os quais são comumente desprezados pelo sistema e pela sociedade em si. Elas auxiliaram no avanço de ações igualitárias e não devem, de maneira alguma, serem questionadas por quaisquer grupos que venham a ir contra direitos humanos básicos e que não entendam a definição de igualdade material.


Núbia Quaiato Bezerra

Direito noturno

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